“…tens
razão, meu amor: nunca te escrevi uma carta de amor… interessante
notar que mesmo num tom frio dito assim, sinto a dureza do saber que
algo tão simples ainda não foi feito… talvez não tenha jeito…
ou será apenas preconceito?... mas, na verdade, nunca te escrevi uma
carta de amor, daquelas que levam as mágoas e as saudades em
torrentes turvas de rios alterosos em direcção a um mar onde o
horizonte se confunde com as cores de majestosos tons… são cartas
de amor em que as palavras se confundem com os sentimentos que
queremos transmitir e não os sabemos… são cartas de amor em que
as palavras se misturam numa amálgama de tonalidades que não duram…
são cartas de amor que perduram no tempo sem um lamento mas onde o
sentir de um breve sentimento mais não é do que o dizer da palavra
em dado momento… são cartas de amor que não escapam ao
estereotipo dos sons que se ouvem na escrita e se escrevem com a voz…
o som que se debate dentro de nós sem sabermos que já não temos o
poder de gritar a sós… cartas de amor dizendo o que não é
preciso dizer… cartas de amor falando de coisas que sabemos sentir,
possuir, ver… cartas de amor com palavras que transmitem o toque, o
cheiro, a visão, o sabor e a audição dos nossos corpos em fusão…
na verdade, meu amor, nunca te escrevi uma carta de amor… uma carta
que repetisse o que desde o início sempre te disse: que te amo…
para quê então, meu bem, escrever o que já se sabe, o que já se
tem?... mas um dia vou tentar escrever-te uma carta de amor, uma
carta que te leve as palavras que me preenchem e se derramem sobre ti
num sabor a tudo o que qualquer homem e mulher podem querer: que se
amem a valer sem preciso ter de escrever uma carta de amor, perfeita,
bela, cheia de luz e de cor…”
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