terça-feira, 8 de dezembro de 2015

APENAS

"...hoje só quero um abraço... um terno beijo... um dizer, estou aqui... um sorriso espelhado bem fundo na alma ou mesmo do fundo do coração (não será a mesma coisa?)... hoje só quero um olhar... a palma da mão na palma da mão... um simples tocar... um roçar do dedo na face, num tactear furtivo ou mesmo desajeitado... um movimento leve dos lábios pronunciando a frase que ousas ouvir... hoje só quero algo tão simples como o simples desejo de te ter aqui..."

terça-feira, 10 de novembro de 2015

INTERVALO

"... bendito o intervalo de tempo e de espaço que nos separa de quando em quando... bendito o hiato entre o último abraço e o próximo, entre o último beijo e o que em breve trocaremos... bendito o intervalo que domina os nossos corpos quando eles se envolvem de novo numa dança de amor e ternura, na dança em que se revelam de novo um ao outro numa suave entrega e num delirante jogo de prazer... bendito o intervalo que nos faz doer e ao mesmo tempo saber que nos amamos em cada momento e milímetro do nosso ser... bendito o espaço que de longe se faz perto na espera do espaço que nos aproximará em breve e que, serenos na loucura da entrega, nos fará explodir na doçura desse nosso tão relaxante sorrir... nesse abraço que sabemos será apenas nosso ou nesse beijo que sabemos existir aqui bem dentro do nosso coração, beijo que nos permite suportar esta longa e ao mesmo tempo breve separação... bendito o intervalo que nos faz amar cada vez mais..."

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

MEL

... e o mel escorreu pela sua boa entreaberta 
e nos lábios sedentos de beijos
o mel se aquietou
permitiu uma fuga para o seu queixo
e, de novo, para mim olhou
sorriu apenas com o olhar
semicerrando as pálpebras
bebeu-me a alma
e me iluminou o coração
permitiu-se tocar a minha face ao de leve
como terno e suave floco de neve
no momento em que a sua língua
rosada e húmida
provava o doce mel nos lábios
sedentos de beijos
senti sua boca roçar a minha boca
e a doçura do mel
adocicar o meu ser
era linda de se olhar
era bela de se ver
era pétala
era perfume
era grito
mas sem queixume
era loucura apenas
num abraço bendito...”..
.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

CARTA DE AMOR

“…tens razão, meu amor: nunca te escrevi uma carta de amor… interessante notar que mesmo num tom frio dito assim, sinto a dureza do saber que algo tão simples ainda não foi feito… talvez não tenha jeito… ou será apenas preconceito?... mas, na verdade, nunca te escrevi uma carta de amor, daquelas que levam as mágoas e as saudades em torrentes turvas de rios alterosos em direcção a um mar onde o horizonte se confunde com as cores de majestosos tons… são cartas de amor em que as palavras se confundem com os sentimentos que queremos transmitir e não os sabemos… são cartas de amor em que as palavras se misturam numa amálgama de tonalidades que não duram… são cartas de amor que perduram no tempo sem um lamento mas onde o sentir de um breve sentimento mais não é do que o dizer da palavra em dado momento… são cartas de amor que não escapam ao estereotipo dos sons que se ouvem na escrita e se escrevem com a voz… o som que se debate dentro de nós sem sabermos que já não temos o poder de gritar a sós… cartas de amor dizendo o que não é preciso dizer… cartas de amor falando de coisas que sabemos sentir, possuir, ver… cartas de amor com palavras que transmitem o toque, o cheiro, a visão, o sabor e a audição dos nossos corpos em fusão… na verdade, meu amor, nunca te escrevi uma carta de amor… uma carta que repetisse o que desde o início sempre te disse: que te amo… para quê então, meu bem, escrever o que já se sabe, o que já se tem?... mas um dia vou tentar escrever-te uma carta de amor, uma carta que te leve as palavras que me preenchem e se derramem sobre ti num sabor a tudo o que qualquer homem e mulher podem querer: que se amem a valer sem preciso ter de escrever uma carta de amor, perfeita, bela, cheia de luz e de cor…”

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

GRITO

...eu tinha qualquer coisa para te dizer, algo que já anda dentro de mim há milhares de anos e nunca tive essa oportunidade... ...há dias, quando surgiste na minha vida, um pouco alheada do próprio mundo, quando ali surgiste espelhada na minha alma, eu estive quase quase para te dizer... ...penso que me faltou a coragem e a voz se me embargou… calei dentro de mim o que deveria ter gritado; talvez tenha esquecido a forma de gritar, talvez só saiba calar... não sei... já não sei... ...mas eu tinha qualquer coisa para te dizer, algo que me possui e me rasga a mente, num acto demente do meu próprio ser de aqui estar sem saber falar, sem saber o que te dizer, sem saber gritar o que tanto tenho calado... milhares de anos de silêncio dentro de mim... ...milhares de anos de solidão da minha própria voz… milhares de anos de espera que surjas ali à esquina, em qualquer lugar, e num momento de paz eu te possa gritar todo o meu amor... ...áhh dor que dói e me corrói a alma de tanto calar esta tão louca forma de te amar... dor de aqui estar e não saber o que te dizer, de não saber traduzir esta minha forma de tão somente te sorrir... ...e sorrio-te a todo o instante, aqui, ali, em qualquer lugar ainda que distante... não me preocupa se me ouves, se escondes as palavras que tão docemente me são devolvidas porque não enviadas… doces palavras de paz, ternura, carinho, amor... em doses de candura mas eivadas de toda a minha dor... ...estão aqui, eu sei… mas sei, também, que tinha qualquer coisa para te dizer… como posso gritar se a voz se me tolda em silêncios ocos e sem eco ou se com eco ecoam apenas dentro do meu vazio, um vazio que não preencho ou se preencho apenas o preencho com a minha própria alma já de si tão gasta por durante todos estes milhares anos não me teres dito: Basta!...

sábado, 5 de setembro de 2015

O PRIMEIRO

"... havia uma necessidade enorme de estar lá... não era somente desejo, era mesmo imperativo, quase mais que obrigatório... mas sentia que as pernas não se moviam e os braços estavam caídos numa postura de desalento... deixei-me ficar assim ainda mais um momento... tentei, então, mais uma vez, caminhar naquela direcção e fiz um esforço enorme para conseguir mover um pé... sabia que nem era necessário ter fé, bastava mover o pé... senti que uma fina dor me percorria a coluna mas nem por isso deixei de tentar... era preciso ir, era preciso caminhar... no fim do caminho estava apenas a meta a atingir mesmo sem saber qual ela era; no entanto, era certo saber que estava no fim da estrada, no meio do arvoredo... olhei em frente, sem frio, sem aquele frio do medo... havia apenas uns braços abertos e um sorriso na face; e uns olhos brilhando... ouvia um som repetido, uma batida ritmada... esse som chamava-me, clamava por algo que eu não sabia ser o que era... num tremendo e último esforço a minha perna avançou e senti que a coluna se fixou... houve uma espécie de tontura mas o esforço valeu a força precisa para fazer avançar o outro pé... nesse momento senti-me cair mas não cheguei a tocar o chão... uns braços fortes enlaçaram-me e elevaram-me no ar... só muitos anos mais tarde vim a saber que aquele tinha sido o meu primeiro passo..."

domingo, 23 de agosto de 2015

BELO, ERA ESSE PEDAÇO DE TERNURA NO TEU ROSTO

Tinha eu treze anos quando ele acamou com uma dessas doenças que não perdoam, mas que ele aceitou, consciente da sua pequenez neste mundo, consciente que aquela era a vontade de alguém mais forte que toda a força desta vida, para aquém e para além desta que temos.
Durante dois anos houve momentos de dor e houve momentos de paz; nesses momentos mais felizes de paz, lá ia eu de mão dada com ele passear um pouco para aliviar a carga psicológica que ele sabia carregar e aguentar firme como uma rocha; pequeno de estatura, e magro para além da magreza da própria doença, ele dava aqueles passos com a firmeza de um homem que nada tinha a temer e tudo tinha a enfrentar; ele dava aqueles passos com a firmeza de um homem que não tem medo de nada, nem daquilo que ele já sabia ter de enfrentar um dia.
Os seus passos pequenos, mas firmes, faziam compasso com os meus, ainda pequenos também pela idade ainda de criança, mas sentia-me como que o guardião daquele homem que naqueles momentos estava à minha responsabilidade e isso dava-me uma grande felicidade por estar a seu lado; também eu tinha consciência da doença que o minava pouco a pouco, também eu tinha forças para enfrentar aquela estranha harmonia de paz que nos rodeava aos dois; uma paz diferente, um bem estar compartilhado e interligado pelas duas mãos que se davam uma na outra, como dois cúmplices conscientes do "crime" que estavam a cometer a bem da harmonia e da paz de espírito, pois era carinho o que nos rodeava e envolvia.
Mas o dia da partida (ou da chegada como ele dizia às vezes por brincadeira) estava próximo. E quando esse dia surgiu ele teve consciência desse facto e soube-o enfrentar com uma dignidade que ainda hoje respeito e sempre respeitarei.
Deitado na sua cama e eu sentado a seus pés ele me olhou: os seus lábios já muito finos, mas firmes, disseram: "Vai chamar a tua Avó". Corri pelo corredor e fui chamar a minha Avó que, como sempre (toda a sua vida), estava agarrada aos tachos no fogão de lenha; na cozinha pairava um cheirinho a sopa quente (Meu Deus, que saudades !).
"Bó.. o vô chamou-a."
Ela largou o fogão, limpou as mãos ao seu avental e dirigiu-se para o quarto onde ele estava; segui-a logo.
Ela entrou no quarto e eu fiquei à porta vendo.
Naquele momento, todo ele se transformou: na sua frente estava a sua Maria de todo o sempre, a Maria que sempre o acompanhou e que lhe deu as quatro filhas que ele tanto amou, a Maria que tantas vezes ele arreliou e ela perdoou. Na ombreira da porta eu assisti: a sua face pálida ganhou cor, os seus olhos pequeninos brilharam de plena felicidade e a sua boca se abriu com um enorme sorriso ( o maior e mais bonito sorriso de felicidade que eu já vi em toda a minha vida !) e disse: " Maria, senta-te aqui."
Minha Avó se sentou à cabeceira da cama e ele com o mesmo sorriso disse já numa voz mais apagada: " Abraça-me."
Minha Avó o entrelaçou e eu vi os seus olhos pequeninos fecharem-se para todo o sempre, acompanhado com aquele sorriso lindo de felicidade ! 

Devia-te esta homenagem, Avô !

O teu neto Joaquim

quarta-feira, 29 de julho de 2015

POST MORTEN

"... na verdade, esta moldura é a minha prisão... de tão perfeitos traços me retrataste que me sinto afogada neles como se eles fossem a minha própria alma, o cerne do amor que nos inundava enquanto a vida me era dada para viver... lembras-te, meu amor, de todas aquelas cartas que te escrevi enquanto presa dentro de outras grades, linhas estreitas que me afastavam de ti ou que te afastaram de mim... nunca soube o porquê e essa dúvida, que ainda hoje, aqui de cima mantenho, será a minha companhia na eternidade... é ela também que me concede a possibilidade de te ver aí olhando-me aqui nesta parede nua, dentro de mim mesma vazia e tão prenhe de linhas com que me vestiste naquela manhã na cozinha no banco sentada, rindo-me da tua certeza... meu amor, a paz que me preenche não retira a dor que mantive e que comigo trouxe... a paz que me preenche é uma paz por amor a ti mas a dor essa jamais sairá de mim... é um pouco como eu nestes riscos presente na tua mente quando daí em baixo me olhas... resta-me a doçura da lágrima que vejo cair da tua face nesse chão carcomido pelo tempo que não nos foi concedido... dor de mim em teu peito também ele dorido..."

segunda-feira, 27 de julho de 2015

ENSAIO SOBRE A LOUCURA - ÚLTIMA CARTA

“…já é habitual acordar a meio da noite… é sempre naqueles intervalos entre o efeito das drogas que me dão… aproveitei sempre esses momentos para te escrever, meu amor… porém, estou convencida que esta será a minha última carta e, sinceramente, não sei o que te quero dizer… meu amado, meu bem, meu doce, meu tudo, meu ser, minha alma, minha única razão de existir: não sei sequer se irás ler estas minhas palavras… como é hábito e tu sabes, devem ser 4 da manhã… está na hora de mais uma dose e a enfermeira deve estar a chegar… restam-me poucos minutos e estas serão as últimas que vou poder te escrever… as outras cartas que te enviei, onde recordava tudo o que de belo e bom tivemos durante os tempos em que estivemos juntos, também não sei se foram parar às tuas doces mãos, (tão doces de todas as carícias que me levaram ao êxtase e ao delírio, tão suaves que eram, meu amor, tão doces que as sentia em mim como se minhas fossem, como se me pertencessem desde sempre)… não sei se te disseram como estou, não sei se sabes no que me tornei… mas, há cerca de meia dúzia de dias (como se contam os dias aqui?… não me perguntes porque não te sei responder…) ouvi-os dizer que já não havia nada a fazer e que a única forma era o isolamento total e final… vão, pois, privar-me da única coisa que tinha vinda do exterior… a luz da lua nas noites frias porque sem ti e da luz do sol gelado porque não a teu lado… tiram-me também o bater das gotas da chuva que me faziam contar os segundos em que olhava o tecto e recordava tudo o que fomos… vão, portanto, enviar-me para longe de mim mesma, encharcar-me de drogas e mais drogas para que eu não possa reagir e gritar como tenho gritado estes últimos anos… gritado por ti, meu amor, gritado pela tua ausência, pelo amor que tivemos, por tudo de bom que passámos, por tudo o que está gravado na minha alma, na minha pele, no meu ser, na minha totalidade… como dizer-lhes que não estou louca, como dizer-lhes que o que sou é apenas o resultado do que fomos… como dizer-lhes que nada tenho porque apenas e só tu me faltas e que nada mais desejo que não seja o que um dia fomos… queria, antes de ir, antes (eu sei) de morrer de falta de ti, olhar-te apenas mais uma vez; fixar teus olhos e sorrir no teu sorriso… tocar teus lábios e tornar-me num beijo… sentir tuas mãos nos meus seios e ser eu mesma esse toque… sentir teu sexo me penetrar e ser eu mesma a penetração… meu amor, apenas uma última vez e eu ficaria curada… mas tenho consciência (sabes aquela consciência que nos resta no intervalo curto entre as injecções) de que tal não vai acontecer e sei que o meu túmulo estará naquelas 4 paredes sem grades porque sem janelas; já tinha ouvido falar delas quando cá entrei… ouço passos; deve ser a enfermeira do turno da noite… deve ser a próxima toma de mais um calmante… o habitual, a norma, o gesto, o ritual, a morte em ensaio… sei que já não vou ter mais tempo… o tempo terminou… vou levar comigo todas as recordações que me restam porque nada mais tenho nem nada mais quero: quero apenas que não me tirem a recordação do som do teu riso, o sabor do teu toque, o brilho do teu olhar… isso eles não me conseguem tirar… é isso o que vou levar comigo… quando partir para sempre deste corpo físico que já nada sente, irás dentro da minha alma e serei sempre feliz para onde quer que eu vá, tu estarás lá… eu sei, meu amor, eu sei… me despeço para todo o sempre… deixo-te a minha paz, a paz que obtive na loucura do nosso amor, a paz que me toca ao de leve enquanto sonho contigo… nada mais resta… perdoa-me por te ter amado tanto… perdoa-me por não conseguir deixar de te amar… perdoa-me por te levar comigo no meu coração… adeus, meu amor…”

a tua Maria

quinta-feira, 23 de julho de 2015

ENSAIO SOBRE A LOUCURA - SEGUNDA CARTA

“…continuo a acordar todas as noites… não há forma de o evitar… a tua ausência incendeia-me os sentidos… a tua falta provoca-me esta ânsia de te sentir presente… sofro neste sofrimento sofrido de dor e solidão… já não sei quem sou… também não interessa… lembras-te da última carta que te escrevi… sim, daquela em que acordei às 3 e 15 da manhã?… Essa…sim, quando senti a tua falta e me acariciei como se fosses tu que o estivesses a fazer… oh meu amor, como sinto a tua falta!… Não, não sei que horas são… até o relógio me tiraram deste sepulcro… olho pelas frinchas da janela e vejo luar… não sei a quantos estamos… mas isso tem importância?… Que valor terá o dia em que me encontro se não te encontro num só momento?… Desespero neste tormento de sentir a tua falta e não te sentir a presença… Como poderia sentir se tudo o que sinto é dor?… Todos os nossos momentos me passam pela memória e esta lembrança chora, chora como se fosse ela a minha própria alma e eu não existisse… Aqui onde estou não me lembro do que sou, só me lembro de ti e de todos os momentos em que estive contigo e contigo vivi… Sim, agora não vivo, apenas recordo… Dizem que recordar é viver… oh meu amor como pode ser viver se cada vez que me lembro, sinto que estou a morrer… as tuas mãos estão aqui no meu peito apertando-me os seios como tu tanto gostavas de fazer… a tua boca na minha boca e a humidade da tua língua na minha língua… o doce beijo nos meus mamilos e como as tuas mãos me penetravam com doçura e força ao mesmo tempo… oh meu bem, como te amo tanto… como te quero tanto… oh meu bem que lágrimas tão amargas estas que broto a todo o momento… olha, devem ser 4 da manhã… vem aí a enfermeira com a injecção do costume… continuam a dizer que esta minha loucura não tem cura… eu sei que não tem, como poderia ter?… Como me posso curar da tua ausência?… Como posso viver nesta minha morte?… Não sei meu amor, não sei… A enfermeira me aconchegou os cobertores… sabes, está frio e sinto frio dentro de mim… já não consigo falar… apenas olho no vazio… neste vazio que me preenche… Mas não preciso de mais nada, basta-me a lembrança dos momentos que vivemos… basta-me esta dor que vive comigo… bastam-me estas lágrimas… o meu pão de cada dia… o meu alimento neste vazio… sinto os olhos pesados… sei que vou dormir mais um pouco mas estou feliz pois vou dormir contigo nos meus braços, nestes braços que não te sentindo te lembram, te tocam, te apertam contra mim… lembras-te de quando adormecíamos assim?… Como era bom acordar a meio da noite com os braços dormentes e sentir o calor do teu corpo abrasar este meu ser que de tanto te querer te perdeu… oh meu amor, como te amo… como sinto a tua ausência… vou dormir… até mais logo… lembra-te de mim como me lembro de ti… um resto de noite feliz, meu amor…a tua Maria”

segunda-feira, 20 de julho de 2015

ENSAIO SOBRE A LOUCURA

“…acordei por volta das 3 e 15 da manhã… sim, era isso… olhei para o relógio da mesinha de cabeceira e marcava 3 e 15… é um daqueles relógios de ponteiros luminosos… olhei para o tecto sem saber porque razão acordara, mas lembro-me que talvez tenha ouvido a porta de um carro, lá fora, a bater ao fechar-se… olhei de seguida para os buraquinhos das frinchas da persiana da janela e divisei a luz da noite… a rua tem candeeiros e vê-se essa luz ainda que difusa… Senti o corpo morno e passei a minha mão pelos meus seios acariciando os bicos do peito… deixei a minha mão descer pela barriga até sentir o meu sexo e desejei ter-te ali comigo… a minha mão acariciou os pelos púbicos e lentamente introduzi um dedo na minha vagina… deixei-me estar assim durante uns momentos e lembrei-me de ti… lembrei-me de todos os momentos que te tive e que a meu lado te senti… sabes, quando me abraçavas e me sentia pequenina, dessa forma mágica que tinhas de me abraçar… quando me beijavas e me sentia desfalecer ao sentir a humidade dos teus lábios… sabes, não sabes?… sei que sim… lembras-te daquele dia em que nos encontramos pela primeira vez?… o dia em que nos olhamos e os nossos corações bateram?… aquele dia mágico que marcou o resto dos outros nossos dias?… acordei sem saber por razão acordava mas penso que a saudade marca o sonho e, se calhar, estaria a sonhar contigo… lembras-te daquele dia em que estavas sentado no sofá da nossa sala e me ajoelhei a teus pés?… lembras-te de termos feito amor na mesa da cozinha?… lembras-te daquelas férias que tivemos na montanha e lembras-te de certeza de termos feito amor deitados naquele chão branco de neve… lembras-te de, no fim, teres lavado o teu sexo com a fria neve que estava ao nosso lado?… lembras-te como ele ficou pequenino por causa do frio?… lembras-te como nos rimos às gargalhadas?… e daquele dia que fizemos amor no carro?… a meio, deste um grito porque te aleijaste numa perna com o travão de mão?… sim, porque não te haverias de lembrar, se eu me lembro tão bem… e daquela outra vez na praia, escondidos numa duna, quando eu fiquei cheia de areia… acordei às 3 e 15 e já são 3 e 40!… 25 minutos a pensar nisto… sinto-te em mim, meu amor e não estás aqui presente… mas sinto-te… sei que sou eu que me acaricio mas é como se fosses tu… sinto como se fossem as tuas mãos, o teu corpo quente, o teu hálito a maçã que costumavas comer a toda a hora… eras doido por maçãs… nunca soube porquê… nunca considerei isso importante mas era importante para ti, não era?… os teus beijos quentes e húmidos, num saltitar constante entre os meus mamilos e a minha boca… como beijavas tão bem… mas sei que mesmo que beijasses mal, para mim era sempre bom, doce, quente, por vezes abrasador… como eu costumava dizer que acendias em mim o fogo da lareira sempre acesa… eu sei que fui sempre “louca” por ti mas tu sempre gostaste de mim assim… eu sei que sim… eu sentia que tu gostavas de mim assim… tu também eras louco, sabias?… sim, a tua loucura me incendiava e quando nos rebolávamos na cama parecia que tudo se partia e a cama chiava… como nós nos riamos disso… coisas giras e loucas, não eram?… meu bem, como me lembro de ti assim?… porque acordei eu a pensar em ti?… porque é que ainda penso em ti ou porque é que estou sempre a pensar em ti?… sabes que não há um único momento da minha vida que não pense em ti?… eu sei, eu sei que dizem que estou louca… mas eles não sabem que já não estou louca, já estive, sim já estive louca por ti… agora já não estou… estou feliz, triste mas feliz e tu sabes porquê, não sabes?… sabes, eu sei que sabes… já são 4 da manhã… acho que vou dormir um pouco… penso que vou sonhar contigo e depois, depois voltar a acordar para pensar mais uma vez nos nossos dias felizes, nos dias que passamos juntos, naqueles dias em que a loucura era permitida e nada mais interessava… até ao dia em que te foste… nunca soube porquê, porque me deixaste, porque não me quiseste mais… porquê, meu amor?… o sono está a regressar… sabes, deram-me mais uma injecção e vou ter de dormir, sim?… vou dormir mais um pouco, meu amor… mais um pouco… mais um pouco… como ainda te amo… sim, serei sempre a tua Maria, meu amor… tua para sempre… para sempre…a tua Maria..."

terça-feira, 14 de julho de 2015

AMOR DE LOBOS

"...seriam cerca das 3 da madrugada quando na esquina da velha igreja daquela velha aldeia lá muito ao norte, quase a perder de vista a sua própria existência, se juntaram em silêncio 4 esbeltas mulheres de longos cabelos à solta, todas elas vestidas de branco... um branco alvo, como vestidas de noivas, sem véus nem grinaldas mas de branco... sentia-se um vento meio gélido naquele campo verde que se estendia para além das traseiras daquela velha igreja daquela velha aldeia... mas não se notou qualquer tremor de frio em nenhuma daquelas 4 esbeltas mulheres... a cor dos seus corpos roçava a cor do leite que, momentos antes haviam bebido dum mesmo canado... seus olhos negros, profundos, brilhavam quando os raios do luar daquela lua cheia lhes batiam nas faces em todo o seu fulgor... era uma lua grande, de prata, brilhando num brilho baço mas ao mesmo tempo ofuscante... deram-se as mãos umas às outras e continuaram o seu caminho... para trás ficava tão-somente um cheiro a flores... seus pés estavam nus e pareciam caminhar por sobre a erva daninha daquele campo verde... lá ao longe, um pouco mais para cima, divisava-se um morro e no cimo desse morro uma frondosa árvore, erguia os seus ramos numa espécie de posicionamento de espera e de aceitação... como que esperando por elas e pronta a abraçá-las... o silêncio era total e entre elas não se ouvia um único som... quem as visse de longe para cá daquela velha igreja daquela velha aldeia, pensaria que as 4 visões voavam ou pelo menos deslizavam... cada uma das que ficavam na ponta levava um cesto de verga coberto por pano branco de linho feito... e eis que chegaram aos pés da árvore... pousaram os 2 cestos de verga no chão e deram-se as mãos num círculo que abraçou o tronco da árvore frondosa e num misto de magia a árvore como que se baixou sobre elas como que as cobrindo num acto fálico enquanto as suas folhas roçavam os seus corpos... dos cestos, depois de terem desfeito o círculo, tiraram algo que não era visível aos olhos dos outros seres humanos e que não era possível descrever... entretanto, algures, num outro ponto daquela aldeia, deitado numa cama de doces sonhos, um homem alto, bem constituído fisicamente, com o corpo nu coberto de pelos negros, dormia e via-se que estava possuído por algum sonho de lascívio prazer, pois notava-se através da roupa da cama que o cobria que o seu sexo estava excitado e algumas gotas de suor lhe cobriam o peito forte... repentinamente, num passe de feitiço, esse "sonho" transportou-o para os pés daquela árvore frondosa onde se encontravam as 4 mulheres lindas vestidas de branco... ele olhou para ele mesmo e viu-se nu, tal como viera ao mundo e ao ver aquelas mulheres instintivamente levou as mãos numa tentativa de tapar o seu sexo erecto... a partir desse momento aquele homem entrou num espanto e seus olhos não queriam crer naquilo que estavam a ver... elas se começaram a despir e apenas tinham aquele vestido branco sobre as suas peles acetinadas cor de leite... e ele olhava... elas começaram a sorrir e os seus sorrisos eram como um convite ao sonho... daqueles cestos retiraram uns frascos que continham vários fluidos e começaram a untar os seus corpos... e ele olhava e começava a compreender o que via... elas o fizeram ver... uma se untava de mel, uma outra de untava de leite puro de ovelha uma outra de água salgada do mar e a outra de um creme que cheirava a jasmim... e ele não resistiu e o sexo se tornou novamente erecto e o seu corpo parou de tremer... aqueles corpos untados cintilavam quando os raios da lua cheia lhes batia na pele e elas continuaram com o ritual... todo o seu corpo foi untado incluindo os seios, o pescoço, as pernas,... apenas os cabelos soltos ficaram secos... então, elas se aproximaram daquele homem e se roçaram por ele de tal forma que o corpo dele ficou totalmente embebido daquela mistura de fluidos...apenas as mãos dele ficaram secas... e num acto quase que instintivo elas se deitaram no chão sobre os vestidos brancos que faziam de leito, o leito do Amor, o leito da procura do Amor, o leito da descoberta do Amor... e ele se misturou com elas e começou a possuí-las, uma a uma, e também numa mistura arbitrária de escolha... o seu corpo confundia-se agora com o corpo delas e já não existiam 4 mulheres ali... apenas existia uma única mulher onde ele se fundia numa escolha impossível... os ventres juntavam-se e os costados também... ele as tomou por detrás agarrando-se aos cabelos delas com as suas mãos possantes e puxava as cabeças delas num misto de prazer e dor, de agonia e êxtase, como se tudo se pudesse perder num só instante, numa avidez de gozo indescritível ... de repente ele sentiu os diversos odores que o cercavam e aos poucos foi deixando uma a uma até que ficou olhando aquela que cheirava a mar... e, nesse momento, algo de mágico se passou: um raio de luar atingiu-o e ele numa nova forma de sentir, viu lentamente o seu corpo transformar-se em lobo, um corpo coberto de pelo sedoso negro e brilhante ao mesmo tempo que a mulher que cheirava a mar se posicionava como fêmea do lobo... e ele a agarrou pelos cabelos puxando a sua cabeça para o seu peito e com firmeza a penetrou fundo num acto de posse total, num acto de prazer inimaginável onde a fusão foi possível tão-somente por magia... o seu corpo ofegou e o instinto animal veio ao de cima e, no mesmo momento em que lambia todo aquele mar, ele, num último uivo lancinante de prazer, espalhou sobre ela todo o fruto do seu Amor... então os corpos se misturaram e apenas se divisava um casal de lobos fazendo Amor... os seus corpos não conseguiam parar e num espasmo final ela se transformou em maresia, como que alva espuma misturada com o fluído dele... então, naquele silêncio de corpos se amando, um último uivo, não o dele mas o dela, se fez ouvir por aquela encosta abaixo, no preciso momento em que os primeiros raios de sol começavam ao longe, bem perto daquela velha igreja daquela velha aldeia, a despontar... nesse momento, o homem acordou de repente na sua cama e olhou e viu: uma mulher linda, vestida de branco, dormia profundamente ao seu lado..."

segunda-feira, 13 de julho de 2015

NA VERDADE

“… na verdade, a net é um mundo novo, curioso, cativante e diferente… é também
doce mas, ao mesmo tempo, perigoso… perigoso porque os sentimentos podem ser
"adulterados" na sua essência e serem mal compreendidos… não devemos descurar o mundo "lá de fora", o mundo real, aquele que vivemos de verdade e na verdade… é certo, que aqui, através do anonimato deixamos que os nossos medos se transformem em coragem e os nossos gritos possam ser gritados
bem lá do fundo da nossa Alma... este mundo serve para exorcizar os nossos "demónios", mas serve também para encontrarmos novos demónios e novos anjos… o problema está sempre em saber o que é um anjo e o que é um demónio (tudo em sentido figurado, claro)… eu escolhi uma forma de estar aqui, a de dizer apenas; a de ouvir apenas… a de tentar ajudar apenas; a de responder apenas; a de querer que todos me leiam e me ouçam apenas… a de desejar tudo de bom para todos apenas… e este "apenas" já é muito neste mundo… deixamos aqui impressa a nossa marca do ser que vive e que ri e que chora… deixamos aqui impressa a nossa marca de ser que é e de ser que não é… deixamos aqui impressa a nossa marca de ser o que sempre desejamos ser e não o que somos afinal... é um pouco uma peça de teatro sem actores visíveis... às vezes, estes actores encontram-se e criam-se novas vivências… umas vezes é bom, outras não… umas vezes é um doce, outras vezes é um amargo sabor... os problemas aqui vividos são problemas perante os quais nada podemos fazer… apenas podemos dar amor e querer amor… o caminho (seja de quem for) é para ser percorrido… seja que caminho for, não o podemos alterar nunca... a meta existe mas nunca sabemos qual é… o caminho é muito diverso mas tem de ser palmilhado… deixemos que todos palmilhem a rota que escolheram… não tentemos que a vida seja perfeita… aceitemos a vida tal como ela é… não se consegue alterar o que quer que seja… ela já está "escrita", não um destino escrito mas o caminho para lá chegar, está...

As "coisas" não são nunca "obtidas".
As "coisas" são-nos "entregues".

Saibamos viver o que a vida nos dá, da forma que ela nos dá, da forma como
ela se nos entrega de braços abertos… mergulhemos de alma e coração na
caminhada que temos pela frente e esperemos que a "perfeição" esteja no
caminhar e não no caminho que se percorre mas na meta que se alcança…”

quinta-feira, 9 de julho de 2015

O UIVO

...Levantou-se com um sobressalto, que a fez erguer a coluna num impulso sôfrego, um nó de desespero atado na garganta. Segurou-a com uma das mãos, como se contivesse a respiração ainda ofegante. A escuridão estava toda emersa numa tonalidade azul, criando uma atmosfera quase irreal no interior do quarto. Uma estranha luminosidade vinha do exterior, e penetrava no quarto pelo espaço entre as velhas cortinas desbotadas. Dirigiu-se à janela como se algo a chamasse. Espreitou por trás do veludo envelhecido do reposteiro e viu um vidro quebrado, estilhaçado no canto inferior esquerdo. Formava um desenho perfeito de uma teia. Tocou-lhe e automaticamente levou o dedo à boca, sugando o sangue do corte que acabara de sofrer. Soltou um breve gemido de dor, frustrado de fúria. Lá fora, a lua erguia-se gigantesca, majestosa, rodeada de uma aura azul intensa, que cobria todas as coisas de improváveis reflexos. Sentiu um incómodo arrepio, como uma fria corrente enferrujada a mover-se no interior da espinha. O espaço à sua volta, de súbito, ganhava novos contornos. Estremeceu perante um breve desacerto do mundo. Julgou ouvir ruídos, um estalar de madeira, ecos de passos atrás de si, o som das sombras a mover-se pelas paredes do quarto. Voltou-se e tremeu. Deu dois passos incertos, esquecida do próprio corpo. O chão estava alagado; os pés descalços enregelados. Ouvia uma torneira aberta, que pingava lentamente. O som adensava-se segundo a segundo, ecoava pela casa toda, cada vez mais próximo, cada vez mais grave, cada vez mais alto, com requintes de tortura. Segurou a cabeça entre as mãos, crispando os dedos entre os cabelos, tapando os ouvidos quase até ao limiar da dor. Enlouquecia. Abriu as portadas e saiu. Correu para a floresta que se estendia, negra e silenciosa, a sul da casa. Não se vestiu. A camisa branca de algodão finíssimo esvoaçava enquanto corria. Um som distante, longínquo, como um uivo, envolvia agora todo o espaço entre as árvores. Tudo à sua volta permanecia assombrosamente azul. Olhava para o céu e os seus olhos cintilavam, fazendo perguntas às estrelas ausentes. Correu a um ritmo alucinante, rasgando a noite escura com a sua deslumbrante figura pálida. Se pudéssemos congelar o momento, encontrar-se-ia a mais bela fotografia do mundo. Era atrás do lobo que corria. Um lobo que conhecia sem nunca ter visto, que a chamava sem nunca ter tocado um fio dos seus cabelos. Sonhara com ele durante seis noites seguidas, um segundo mais cada noite, até que o sonho a puxou para dentro e ela foi ao seu encontro. Correu atrás dele, movida pelo sonho, dominada pela loucura. Corria como se perseguisse a própria vida, e gritava. Gritava o nome do seu amor, como se lhe respondesse. Correu até ficar sem forças, lentamente vergou os joelhos e deixou-se cair no chão húmido. Tinha chovido nas horas anteriores, muito certamente. Cravou as mãos na terra até que esta lhe doesse, negra e perfumada, entre as unhas. Sentiu um frio muito fino percorrer-lhe a parte de trás do pescoço, desde a nuca, descendo até à cintura. Depois um calor imenso a escorrer-lhe pelos braços. Tinha o lobo junto do seu corpo, o seu olhar ferido de medo. Aproximou-se do seu rosto, conseguia sentir-lhe a respiração na face gelada. Mergulhou os dedos finos no pêlo em redor do pescoço, num gesto ambíguo. Como se segurasse, como se repudiasse. Sentia-o roubar-lhe o sopro de vida, ao mesmo tempo que a alimentava de uma inexcedível sensação de eternidade. A escuridão era tão intensa que a noite parecia estender-se sobre todas as coisas, sem limites, insondáveis as suas profundezas. Reinava uma calma inquietante. O seu coração pulsava acelerado dentro do peito, o olhar num fervilhar insustentável de paixão. Olhou à volta, demorando um segundo a reconhecer o espaço do quarto. Um segundo depois, o outro lado do pesadelo: Está um homem ao seu lado. Está frio. O branco dos lençóis tingido de vermelho. Do corpo imóvel e pálido escapa-se um fio rubro e espesso. O olhar preso no infinito. Um último gesto de angústia suspenso na mão. A boca entreaberta, fixo nos lábios um suspiro, com o nome do seu amor.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

QUANDO SE SABE QUE SE AMA ?

“… há dias escrevi-te dizendo as razões pelas quais te amo… escrevi dizendo, afinal, que te amo porque te amo… mais tarde comecei a pensar se existe um momento a partir do qual se começa a amar e se esse momento existe, como sabemos então que se ama?... disse-te também há tempos que o amor não tem tempo nem espaço pela simples razão de que o Amor apenas, é… vive, subsiste, existe, está… é algo definido, concreto mesmo não sendo físico nem metafísico, o Amor é algo que é… sendo assim, não tendo o Amor tempo nem espaço e sabendo nós que amamos, como se sabe que se ama?... dediquei todo o tempo da minha vida à procura do Amor, na busca constante do meu “Graal”, na demanda do porquê do se ser e do se estar e das razões pelas quais aqui estamos… durante todos esses anos procurei e um dia (não interessa quando porque o Amor não tem tempo nem espaço) descobri que o Amor está (é) em cada um de nós… não é nada que se descubra ou possua ou se encontre… ele, o Amor, está em nós mesmos… se ele está em nós então ele é nosso, de nossa pertença e faremos dele o que bem se quiser… daí que, quando afirmo as razões pelas quais eu te amo, estou ao mesmo tempo a dizer que te amo apenas porque sei que o Amor que está dentro de mim, passa para ti… deixa de ser “meu” e começa a “existir” em ti porque apenas e só, te doo esse Amor, numa entrega sem pedir troca… dando-o, sei que o dou e nesse momento passo a saber que te amo… assim, só existe uma única forma de sabermos se amamos (ou quando é que sabemos que estamos a amar), é sabendo que o Amor que estava em nós foi dado a outrem, entregue simplesmente, como dádiva… e esse Amor pode estar num simples gesto, num olhar, num acenar, num toque, num sentir, não se ser o que éramos e passarmos a ser de outrem… nesse momento, quando nos sentirmos parte do outro, saberemos que estamos a amar… em contrapartida, quando soubermos que fazemos parte de outrem também saberemos que estamos a ser amados… porque apenas e só, o Amor… é...”

terça-feira, 7 de julho de 2015

FALTA

"...peguei em mim mesmo e sacudi-me… esperei que saísse algo que tivesse a mais… mas não caiu nada de mim… continuei a sacudir e ouvi algo indefinido… era como que uma recordação dentro da minha alma ou do meu coração… como saber?... peguei então em ti e despi-me de ti… tirei-te de dentro de mim… coloquei-te ali ao meu lado e olhei para ti… foi nessa altura que me senti nu... mas não consegui vestir-te de novo… já não cabias dentro de mim… que fazer então?... sonhos destruídos, caminhos não percorridos ou teriam sido mesmo percorridos?... como é que não reconheço se os percorri ou não?... confusão dentro de mim... sacudo as memórias mas a força centrífuga da saudade as mantêm aqui dentro... fico atento... espero olhar em frente, não me sentir demente, talvez solidão somente… eternamente aqui ao meu lado presente... arrumo os fatos que me vestem a alma e com calma procuro novas roupas que me tapem a nudez que me enregela o corpo, como nado morto, triste e absorto...
...quero ressuscitar, quero simplesmente me transformar, vestir-me de novo, olhar para o espelho e sorrir, cantar, bailar… pegar em mim e voltar a caminhar qualquer que seja o caminho que tenha ainda de palmilhar...
...é que os pés, mesmo de barro, ainda são os mesmos; cansados de andar, é certo, mas os que sempre me sustentaram de pé nesta tremenda e actual falta de fé..."

quinta-feira, 2 de julho de 2015

MEMÓRIAS

“…encosto a cabeça no vidro semiaberto e fecho os olhos por segundos; pela frincha sai o fumo do cigarro ao mesmo tempo que as gotas da chuva varrida pelo vento tenta entrar com força. Não há lágrimas que se comparem às que batem no tejadilho do carro; o vento sopra forte de sul e as ondas alterosas mostram-me um mar agitado porque de si próprio aquelas lágrimas haviam saído uns dias antes. Percorro a visão até ao horizonte cinzento-escuro e vejo um relâmpago descer sobre as águas. Imagem bela e soberba. O céu zangado como me ensinaram em criança. O interessante era terem mais medo do trovão do que do relâmpago. Havia uma cantilena que rezavam fechadas no quarto; algo que no meio das palavras comidas pela reza eu percebia algo como santa bárbara; mais tarde vim a saber que Santa Bárbara tem a ver com as trovoadas, dizem. Imagens da infância que recordo com saudade. Um corpo deitado no chão da sala, uma chupeta e um açucareiro ao lado; e lá ia eu molhando a chupeta no açúcar e chupando; ainda hoje gosto de comer açúcar. Um corpo escondido no meio do centeio que não se dobrava pelo vento; um corte num pé provocado por um vidro escondido. Umas mãos pequenas pegando nas pombas que existiam no pombal do pai. Uma gaveta com postais antigos do Brasil que meu avô trouxera. Um retrato enorme dele e de minha avó no dia em que casaram, pintado a carvão. Era imponente. Um fogão de lenha crepitando. A chuva que entrava pelo vidro começou a molhar-me a face e a cabeça e o cigarro já me estava a saber mal. Liguei o motor, fiz marcha-atrás e arranquei dali para fora. Para lá do mar ficava o sonho, o sonho que sempre tive de o enfrentar, o sonho que sempre tive de me meter dentro dele e o amansar. Nunca conseguido. Os faróis foram ligados porque a penumbra já era demasiadamente escura para ser dia. A noite que se aproximava iria brindar-me com mais recordações; é isso que faço para adormecer todas as noites; relembro imagens distantes e tento reconstruir a vida que já não existirá nunca mais. Puzzles de imagens, de sons e de choros e de risos, de quedas, de corridas, de corpos cheios de calor abraçando-nos. Porque me faz tanta falta esse abraço de outrora? A estrada à minha frente ainda era longa e a noite me esperava…”

quarta-feira, 1 de julho de 2015

FRIO

“…tenho frio, tenho mesmo muito frio… sinto um arrepio dentro de mim que me faz encolher a alma… dobro-me sobre mim mesmo e procuro a razão do frio que sinto… sinto-me cheio de um vazio que se instala no meu cérebro e deste passa para o meu ser… sinto-me entorpecer e as pernas dobram-se e enregelam… o frio que sinto faz-me tremer… não vejo sol dentro de mim e a lua passou já muito ao largo e não deixou rastos… as estrelas estão longe e não me iluminam o suficiente para aquecer o meu coração… é tudo em vão… todo o esforço que faço para me manter à superfície ainda me magoa mais porque as forças me abandonam e o corpo rejeita energias que gasto nesta viagem… e é apenas a minha imagem… mas olho para lá e não vejo nada que me faça regressar… e desejo cada vez mais sair, fugir mesmo sem saber para onde ir… não é dilema não saber o que aí vem… sabe-se que se está a ir nessa direcção e deixa-mo-nos ir como folha perdida nas águas turbulentas de uma sarjeta suja de pó e vazia também de tudo… deito-me dentro de mim e adormeço no meu sonho sem dormir… é um sonho acordado de tão cansado que nem o sono sossega e não me dá trégua… tenho frio, tenho muito frio… sinto um arrepio de novo e mais uma vez me encolho e olho para dentro do copo que tenho na mão… é um copo vazio como eu e também está frio… peço a alguém que o encha de novo e dizem-me que não, que já bebi demasiado… mas eu sei que não, ainda consigo entender o que me é dito e porque razão ouço este imenso grito… tenho frio, tenho muito frio… saio num tropeço dum trôpego andar… passo pelo espelho e alguém do lado de lá olha para mim e sorri… é alguém que eu já conheci, alguém que já esteve aqui comigo, dentro de mim… nunca mais o vi… por onde andará?… no entanto, foi simpático, acompanhou-me até à saída… não o vi mais… não havia mais espelhos naquela sala daquele bar… abri a porta de par em par… respirei o ar frio da noite ainda mais quente do que o frio que eu sentia dentro de mim… olhei o mar que se estendia para lá daquelas escadas que desciam para ele, ele que me esperava depois do abismo… olhei-o e ele riu-se numa risada tremenda que me fez encolher e de novo ver que já nada estava ali a fazer… preciso de dormir, mas um sono que jamais termine… preciso de dormir e afinal o carro está ainda ali… é aquele preto… tem aros prateados nos faróis mas não tem luz, estão apagados como eu… a chave está na minha mão e abrir a porta não custa… já nada me assusta porque o frio me tira a percepção da realidade… tenho apenas uma vontade, dormir, deixar-me ir e não saber nem como nem para onde… tenho frio, tenho muito frio…”

terça-feira, 30 de junho de 2015

NUDEZ

“… porque te sentas de pernas cruzadas sobre a nudez do teu silêncio?… para te ouvires desejando não ouvir o que não és capaz de pensar?… porque te sentas de costas voltadas à treva se da treva vem a luz que te cega?… para não olhares, para não veres o que sempre desejaste ver?… porque me dizes que sim quando do teu peito sai um gritante não?… para não teres de balbuciar um talvez?…porque pensas que pensas o que não pensas?… para pensares no que eu penso que tu pensas?… não, o melhor é mesmo não pensares… porque sentes que a vida te foge por entre os dedos se as tuas mãos estão presas e cheias de dúvidas?… porque desejas libertação se o que intimamente queres é estar quieto na bonomia do turbilhão?… porque calas o teu grito se do fundo da tua mansarda revelas a negrura da alma que te compõe o sentir?… porque não mentes se é tão doce mentir?… porque não calcas a doçura do mel?… porque não espezinhas a palavra calada?… porque não escreves o nada que tens para dizer?… que te disse eu que tu já não soubesses?… aprendeste algo mais para além daquilo que já não sabias?… que sabes tu da ignorância que te cerca se a certeza de saber é apenas uma incógnita que nos abala a consciência de nada sabermos, ou apenas de sabermos que nada sabemos?… porque te manténs sentada de pernas cruzadas sobre a nudez do teu silêncio?…”

segunda-feira, 29 de junho de 2015

DOCE

“… deixa enroscar-me nos teus braços… coloca tua mão na minha cabeça e enrola os teus dedos nos meus raros cabelos… baixa um pouco a tua fronte e beija a minha boca… deixa enroscar-me no teu colo… sentir a tua maciez e ver de baixo para cima o teu sorriso… ver-te junto a mim e saber-te ali comigo… de tal forma que quando olhas eu sou o teu olhar… de tal forma que quando sorris eu sou os teus lábios… de tal forma que quando me afagas eu sou a tua mão… de tal forma que quando me tocas eu sou o teu corpo… de tal forma que quando me olhas eu sou o teu olhar… deixa pousar o meu cansaço na tua serenidade e sentir a tua paz na minha guerra… baixar as armas e sentir a trégua na tenda que se ergue no deserto da batalha… humedecer as mãos na brisa da água que corre no ribeiro que nos circunda… lavar a cara na frescura do vento que nos embala… sentir que nem tudo é real mas que o sonho nos preenche… sentir que, por vezes, só o desejo chega, só o querer basta, só o pensar nos satisfaz… deixa-me ser não só a realidade mas também o que não somos… deixa-me olhar para dentro de ti e ver-me inteiro… deixa-me tocar-te com o sonho e saber-me parte dele como sei que ele é uma parte do meu eu verdadeiro…” 

sábado, 27 de junho de 2015

ANATOMIA DO BEIJO

“…coloco um beijo na palma da minha mão e olho-o para o estudar, para o entender, para saber algo mais sobre ele… a sensação é apenas de toque suave dos meus lábios na palma da minha mão… nada mais retenho que o saber que senti a minha pele tocada pela minha própria boca… preciso saber mais sobre o beijo… examinar minuciosamente de forma a sentir o beijo como algo físico, palpável, real… então, aproximo-me de ti e olho-te nos olhos, nesses olhos que brilham dentro de mim como se tu não estivesses ali mas aqui, como se tu fosses parte do meu ser… toco-te com as minhas mãos nos teus ombros e dou um passo em direcção a ti… tua face serena, abre-se num sorriso… levo a minha mão aos teus cabelos e acaricio-os deslizando na seda dos mesmos… os nossos corpos encostam-se ao de leve num toque global presente sem ausência de sentidos, bem pelo contrário, com os sentidos todos em alerta… olho a tua boca entreaberta nesse sorriso que me encanta e seduz… és luz… és sol… és brilho em meu redor… humedeço meus lábios e aproximo-me lentamente da tua face… toco com eles ao de leve na pele que reluz perante o meu olhar… sinto o sal… um sabor leve a mar… os meus lábios tocam as tuas pálpebras fechadas para receber o meu beijo… sinto um suave sentir, um sorrir no olhar como se de outra boca se tratasse… retiro a minha boca e olho-te de novo… preciso saber o porquê do beijo saber a tudo o que tu és, numa dimensão de ser paz, doçura, mel e mar… vejo-te humedeceres os teus lábios e muito suavemente toco-os com os meus… mantenho a minha boca ao de leve no teu lábio superior e de seguida saboreio o teu lábio inferior… e sinto amor…sinto que preciso de sentir mais, de saber mais e melhor o porquê da paixão… é nesse momento que toco em completo a tua boca e saboreio o mel que tal sensação me transmite… as línguas tocam-se ao de leve para em seguida se fundirem num só beijo, num só toque… já não são duas bocas que se beijam pois é apenas o beijo em si mesmo que ali se encontra, se forma, se transmuta, se torna ávido e sereno ao mesmo tempo… mantemos o sentir tais sentidos, leves, lábios mordidos, línguas entrelaçadas e o sabor doce penetrar em permuta o âmago daquela sensual luta de pele com pele, de alma com alma, de corpo com corpo… e a paixão nasce daí e cresce em mim como em ti… saboreamos o momento… entramos em transe e deixamos de ser quem somos… e o beijo perdura num planar de doçura… e o beijo se torna dono de nós num galopar de sensações plenas, profundas mas de tal forma suaves e serenas que o beijo deixa de ser beijo para passar a ser desejo…”

sexta-feira, 26 de junho de 2015

AMO-TE

“…amo-te porque te amo… porque me sinto bem quanto te olho… quanto te toco… quando te beijo… quando sinto a tua pele perfumada junto da minha… quando te vejo sorrir para mim… quando ouço a tua voz… quando te ris… quando me tocas, me acaricias e me fazes sentir homem… amo-te quando me dizes que também me amas, quando me dizes gostar de mim, quando me olhas e vejo no teu olhar a tua alma e o reflexo da minha… quando sabemos que nada mais no mundo nos importa… quando sentimos que tudo o que gira à nossa volta está parado e somos o centro de tudo… amo-te quando te digo que te amo, quando te sussurro palavras ternas, quando ouço as que me dizes… amo-te quando me dás um mimo, um sabor, o roçar ao de leve ou mesmo forte… amo-te porque te amo… porque te sinto bem quando me olhas… quando me tocas… quando me beijas… quando sinto que sentes a minha pele… quando te sorrio… quando ouves a minha voz… quando me rio… quando te toco, quando te acaricio e te faço sentir voar… amo-te quando estou aqui ou aí… amo-te mesmo quando não estamos ou não somos… amo-te porque sei que te amo, porque sinto que te amo, porque vivo esse amor duma forma terna, doce, suave e pura mesmo quando os corpos se entrelaçam e vibram em loucura… amo-te assim, tão simples…tão tudo em ti e em mim…”

quinta-feira, 25 de junho de 2015

PURA SEDA

“… o teu corpo perfeito, deitado no leito, de pura seda acetinada feito, exalava o perfume perfeito… deixava antever, sem te tocar nem sentir, o esbelto prazer de olhar para ele e bastar sorrir… mais não seria necessário se a força do desejo se quedasse por ali… mas a languidez da libido perfurava todo o sentido em te possuir… aproximei-me de ti sem te olhar e sem que me visses… era apenas um desejo que bastava que sorrisses para que eu parasse e não prosseguisse… mas os teus lábios carnudos abriram-se em pétalas desnudos e me sorriram num convite perfeito… o ardor estava ali, a teus pés e meu corpo teceu o desejado amor de tudo o que depois aconteceu… volteámos a alma, os sentidos, a voz rouca, o arfar da pele, o toque no teu mar e o saboroso doce a mel… perfurei tuas entranhas em doces movimentos com forças tamanhas que te fizeram sugar teus próprios gemidos… a doçura perdura dentro de nós e antevê-se nos nossos olhos o desejo de, novamente, a sós, voltarmos a ser um só corpo e um só desejo num derradeiro lampejo de profunda paz… o deleite do amor que ele nos traz…” 

quarta-feira, 24 de junho de 2015

O TEU SONHO

“…Em frente ao espelho da cómoda do teu quarto, sentada num banquinho forrado a tecido de cortinado vermelho, penteavas os teus cabelos, num ritual que funciona mesmo sem dares por isso… a escova passava ora uma, ora duas vezes, de cima para baixo e alisava os teus cabelos sedosos, cor de mel e de marfim… brilhavam no espelho e te revias momento a momento numa expectativa de mudança, o que não acontecia pois não podias ficar mais bela do que aquilo que já eras… a beleza em ti não residia nem morava … era!… A tua camisa de noite, acetinada bege, de rendas sobre o peito alvo de seios firmes e redondos, deixava transparecer a cor da tua pele suave e doce ao olhar sem ser preciso tocar… a tua cama de lençóis de prata, aguardava o teu corpo numa ânsia lasciva de quem à noite, só, te espera num desespero de intocabilidade… e tu, demoravas… da cómoda tiraste um frasquinho de perfume e te ungiste com ele o que provocou um agradável respirar a todos os móveis que te rodeavam… e a tua cama, ansiava pela tua presença… e o teu corpo demorava a conceder-lhe esse desejo… levantaste-te de frente do espelho e te miraste novamente de corpo inteiro e gostaste da tua imagem alva e bela naquele quarto iluminado pela tua presença… olhaste de soslaio e sorriste… sentaste-te na beira da cama e esta suspirou docemente perante a antevisão de que breve te possuiria… Tiraste os teus pézinhos leves de dentro dos chinelos de cetim vermelho, levantaste um pouco o lençol e te entregaste total e lentamente ao prazer de estender do teu corpo e da entrega final ao teu leito… a tua cama nem sequer se moveu… aquietou-se para não te perturbar, para que não te arrependesses daquilo que acabaras de fazer, com medo que te levantasses e ela te voltasse a perder… a tua cama inspirou baixinho a fragrância do cheiro da tua pele e deixou-se ficar aguardando o teu próximo movimento… deitada de bruços te deixaste finalmente ficar e tua cabeça leve pousada de mansinho na almofada, arfava lentamente o teu respirar de prazer por mais uma noite de descanso e de sonhos… Teus olhos semicerrados viram a lâmpada acesa e teu braço se estendeu ao interruptor da mesinha de cabeceira para a desligares… os teus movimentos eram propositadamente lentos para que o tempo demorasse ainda mais do que aquele que já existia… e a tua cama sentia… na obscuridade do teu quarto, teus olhos semicerrados olharam o tecto e se fixaram na sua alva cor que permitia uma réstia de luz no meio da escuridão… olhaste a janela e pelas frinchas da persiana, divisaste a luz cinzenta duma lua crescente… avizinhava-se uma noite de lua cheia e teu corpo descansou por um momento… a tua cama então suspirou e te abraçou fortemente… em suas mãos te acabavas de entregar… e o sono chegou…. adormeceste… não sei mais o que se passou… a noite decorreu, teu corpo diversas vezes se moveu… a tua cama não se movia, com receio de te acordar… abraçava-te sempre para não te deixar fugir… sentia-te sua e possuía-te num sonho imenso de impossibilidade, de impotência, de raiva, por não te conseguir ter tendo-te ali… tua mente adormecida, movia-se e sabia-se que sonhavas… a tua cama te tinha ali, indefesa, sozinha… sonhavas e eu aqui, nada mais te pedia… nada mais desejava… queria apenas ser o teu sonho…” 

terça-feira, 23 de junho de 2015

ESTRELAS

“… e as estrelas chegaram e trouxeram-me o suave sorriso dos teus lábios… e vinha com a claridade prateada da lua que se escondia da tua beleza… e as estrelas me trouxeram a doçura do teu olhar em arcos de luz, essa claridade da tua alma que tanto me seduz… e vinha com o brilho da tua pele macia como a seda que qualquer bicho-da-seda teceria… e as estrelas chegaram e me presentearam com o calor doce do teu toque… sentir-te é uma benção que traz a paz ao deitar meu enlevo no teu regaço e, sem espaço, vinha o luar espreitar… sorria ele ao ver-te chegar e sabia ele da minha alegria em te receber, plena de luz e de amor que qualquer deus sabia antever… abristes os braços e te deste em sintonia com a veste que não trazias… não precisavas pois tu mesma eras todos os véus que cobrem as estrelas de todos os céus… sorrias nessa entrega plena de dádiva que eu tanto queria… estavas ali, cheia de ti, pronta para mim… porque as estrelas te trouxeram num mar de pétalas de uma doce rosa em qualquer jardim… o meu…”

segunda-feira, 22 de junho de 2015

SAUDADES

“…Tenho saudades tuas… Queria ter-te aqui comigo, a meu lado, de mãos dadas ou de olhos nos olhos… Cingir-te a cintura e apertar-te contra mim e sentir teu corpo… Desejar o teu desejo… Ouvir teu coração bater com a minha face sobre o teu peito… Beijar-te a boca e saber-me dentro de ti… Sentir-me mais uma vez como as muitas que senti… Tenho saudades tuas… Chamar pelo teu nome… Ouvir a minha voz pronunciar esse som e saber-me respondido com o teu sorrir… Estar onde estás e saber-me contigo, aberto de mim para te receber em plenitude… Entrar no teu ser e saber-me lá residente, não ontem nem hoje mas, sempre… Perder-me no teu labirinto e jamais encontrar a saída… viver os caminhos e as esquinas que se cruzassem à nossa frente e deixar de conhecer o tempo que nos cerca… olvidar a dor da ausência do teu doce amar… Tenho saudades tuas…”

sábado, 20 de junho de 2015

A CAIXINHA DE MARFIM

“…eram extremamente apelativos… estavam ali à minha disposição… em cima da mesinha de cabeceira… era uma caixinha escura que ela usava para ter à mão os comprimidos que a faziam dormir… nunca liguei qualquer importância ao valor daquela caixinha e, no entanto, ela continha o passaporte para uma viagem, uma sem retorno… nunca houvera pensado nisso, exceto naquela noite… uma noite em que ela não estava ali deitada comigo (nunca mais estaria)… uma noite em que acabara de chegar de mais um bar e depois de ter ingerido um bom pedaço de álcool para me aquecer a alma tão fria e tão dormente que já nem a sentia… também, para que queria eu uma alma?… que é que ela me dá ou me faz?… a caixinha preta continuava ali… quantos comprimidos teria ela deixado desde a última vez que a encheu depois de os tirar da embalagem de marca do medicamento?… a minha mão direita estendeu-se para aquela caixinha preta tão apelativa como tão consoladora pelo imaginário que já me estava a provocar… não custaria nada e dormiria para sempre… tão bom… era disso que eu estava a precisar ou seria de mais um pouco de gin?… mas para tomar os comprimidos eu precisava de beber alguma coisa e essa coisa estava também ali à mão… debaixo da cama, talvez também deitada no chão por cima do tapete… teria ainda algum líquido?… o suficiente para engolir os comprimidos?… já não tinha forças para me levantar e ir buscar outra garrafa… a caixinha preta continuava ali e a minha mão já estava em cima dela… senti aquela textura (penso que era marfim) sob os meus trémulos dedos mas senti-a fria e um arrepio percorreu-me a coluna… ou teria sido outro tipo de arrepio?… não sei quanto tempo estive com aquela caixinha na mão… não sei quanto tempo demorei a tomar uma decisão… não sei quanto tempo a olhei com um turvo olhar… não sei porque razão não a segurei… dei por mim a olhar para ela sem saber para que é que ela servia e naquele momento apenas me apeteceu dormir… tão perto do derradeiro sono… tão desejado… ali tão à mão… reparei então que estava deitado sobre o lugar dela com o braço direito estendido para a mesinha de cabeceira segurando a caixinha preta que continha o passaporte para a derradeira viagem… tantas vezes assim estivemos… tantas vezes senti o seu calor, o seu respirar, o seu arfar… tantas vezes assim ficamos depois de fazermos amor… e, neste estúpido momento, repetia aquela posição estendendo a minha mão para uma viagem… não consegui conter o choro… não consegui aguentar as lágrimas… não consegui segurar a caixinha preta… não consegui partir… restou-me a certeza que no dia seguinte teria mais uma noite de frio…” 

sexta-feira, 19 de junho de 2015

SERENO

... a calma tinha-se aproximado de mim como não me conhecesse... eu já a conhecia há muito pese embora os grandes momentos em que não a via ou não me encontrava com ela... porém, naquela vez, ela fez de conta que não sabia quem eu era... aproximou-se mansamente e como quem não quer a coisa, saudou-me ao de leve com um leve acenar pela passagem, pelo encontro... não lhe liguei demasiada importância mas educadamente correspondi ao seu aceno e sorri-lhe... foi nesse momento que ela olhou para mim e, de chofre, me perguntou: - Porque sorris?... Naquele instante não encontrei resposta mas uns segundos após, saiu-me uma frase lenta e suave: - Porque não haveria de sorrir?... Acho estranho, disse ela: Estás sempre preocupado, cheio de problemas, a tua cabeça é um vulcão, a tua alma desespera, o teu coração bate e os teus olhos não choram... Pois, respondi eu, eu sei mas por vezes caio em mim e entendo que de nada me vale o lamento; por certo que estou errado quando desfaleço e sentado ou deitado me concentro nas agruras da vida; depois penso que a vida é apenas aquilo que dela fazemos, aquilo que dela queremos, aquilo que dela podemos tirar... a vida nada nos dá excepto ela mesma, ou seja, ela se nos entrega numa única vez e após instalada em nós, somos nós mesmos que a gerimos... temos esse poder, o poder de moldar os dias, as horas, os minutos e até mesmo os segundos dos nossos momentos aqui e agora, ontem e, quem sabe senão ela, também amanhã... somos nós que decidimos enfrentar ou não o momento que se nos depara, seja ele bom ou mau... é apenas uma questão de escolha... mas tu não eras assim, disse-me ela, a calma... sim, eu sei... na verdade, a vida foi tão diversa e tão cheia de coisas e coisas que houve vezes em que não te consegui enfrentar ou mesmo aceitar e desesperei... porém, houve também momentos em que soube que me podias ajudar... por isso te sorri agora... sei que me podes inundar e tornar-me pleno de mim mesmo e conceder-me ainda mais a capacidade de me dar ainda mais do que já tentei... sei que me ajudarás... porque me trazes a sabedoria, a sensatez, a alegria, a ternura de me saber feliz ao sentir que amo, que o caminho que percorro é o único que me pode serenar, o único que me pode pacificar, a caminhada plena para amar... e, com amor, se ama e com amor se preenche a nossa vida, mesmo para além da morte... por isso, hoje, te sorrio por saber o quanto amo quem amo, quem me dá a plenitude da serenidade, num amar terno e seguro, forte e puro, real que de tão real, a ti o juro...”

quinta-feira, 18 de junho de 2015

ACENAR

"... o tempo passa demasiadamente depressa... quando damos pelo facto, seja ele qual for, o tempo esvaiu-se e quase não o vimos passar... quando não o vemos passar porque ele foi usado em positiva vivência, é óptimo recordar esses momentos que não vimos passar porque o tempo estava a ser ganho por algo bom que recordaremos com prazer... porém o tempo voa e quando damos por ele, ele já passou e já são horas de dizer um novo adeus, um até breve, um até depois... fica o sabor de tudo o que se viveu... fica a saudade desses momentos... fica a ânsia de que eles voltem depressa mais uma vez... e quando o tempo de viver esses doces momentos acaba, fica em nós a presença do outro, o cheiro, o sabor, o tacto, o som e a imagem que fixamos com ternura para, no mínimo, a levarmos dentro de nós... até ao próximo encontro... no entretanto, fica o aceno, o olhar para trás, o dizer aquele adeus com a mão estendida e o rosto, apesar de tudo, sereno e com um sorriso nos lábios... o acenar até que a esquina surge e o passo continua calmo no percorrer daquela rua..."

quarta-feira, 17 de junho de 2015

ENSAIO SOBRE A SOLIDÃO

“…depressa me canso de mim… olho à minha volta e só vejo recordações… uma terna claridade invade o meu quarto e me rodeia de mansinho… já reparei várias vezes: vem sempre acompanhada do silêncio!… nunca soube o porquê de tal evento… é uma luz difusa, lenta, como que surgindo a medo e com ela, um opaco silêncio… algo que nada traz a não ser paz… mas vir com ela já é bom… e é nesses momentos que me sinto só… e sabem porquê?… porque não tenho com quem partilhar esse momento!… algo que sempre desejei fazer um dia na minha vida: partilhar a minha solidão… dizer a alguém: “…Vês?… Estás a ouvir?… A minha solidão está aqui, é isto que vive aqui comigo… Entendes?…”… mas nunca consegui e nunca o consegui porque nos momentos em que a solidão me visita eu nunca estou acompanhado… engano, estar acompanhado estou mas apenas de mim mesmo e dessa luz e desse silêncio… já somos três… estendo-me então no leito dessa luz e deixo-me levar pelo barulho do silêncio que me invade… nunca é tarde para experimentar novas sensações, só que esta é já demasiadamente minha conhecida e então apenas nos olhamos e nos aceitamos mutuamente… nada mais fazemos senão partilhar aquele momento, uma partilha a três numa solidão solitária de um só… estendido nela e com o silêncio deitado a meu lado, olhamos o tecto que lentamente se separa de nós em tons de cinzentos cada vez mais escuros… passo os braços pelo silêncio e aperto-o de encontro ao meu peito… sinto o seu respirar lento e compassado… é um som simpático, eu sei, mas ao mesmo tempo ousado na medida em que invade o som do bater do meu coração… e o silêncio deixa de ser silêncio para ser um baque surdo ritmado aqui, ao meu lado, deitado… no entanto, continuo abraçado a ele e ele sente-se bem porque acarinhado… é um abraço puro mas forte… ingénuo mas apaixonado… é apenas um abraço de silêncio compartilhado num leito de claridade a escurecer em lentos tons que tem o anoitecer… porém, já quando o tecto se separa de nós e nos abandona entregues que ficámos à luz das trevas que entretanto nos envolvem, o silêncio se aperta contra mim e me possui… penetra-me fundo e a respiração torna-se ofegante, sufocante… o que até então era um prazer compartilhado passa a ser dor e algo que corrompe… penetra-me cada vez mais fundo e a dor aumenta… o bater e o som do meu coração ultrapassa o silêncio que entretanto se esvai num orgasmo de sons delirantes de espasmos gigantes que se avolumam dentro de mim… o tecto já não existe, a obscuridade ainda persiste com mais intensidade… é um estar sem vida, sem morte e sem idade… apenas habita em mim numa eterna cumplicidade… respiro o espaço que me rodeia… e a escuridão cai sobre tudo e me envolve como uma teia… já tenho mais uma companhia… o doce sono vem de mansinho amparar meu corpo e cobre-o com carinho… adormeço lento, extenuado de tanta amargura, numa vã procura do próximo amanhecer que de novo me vai trazer o fim de tarde, neste terno ciclo de amor e ódio em que espero pela eternidade…” 

terça-feira, 16 de junho de 2015

REGAÇO

"... deito a cabeça no teu regaço... olho-te a face serena... e teus lábios sorriem... tuas mãos se envolvem nos meus cabelos e a massagem leva-me ao sonho... fecho os olhos e deixo-me vogar no teu corpo... dentro de ti... à tua volta... mesmo sem te tocar te sinto... tuas mãos tocam o meu ser como se nos meus lábios estivesse todo eu, como se a minha boca fosse todo o meu corpo... teus dedos leves e suaves me transportam, nesse toque, para lá de mim mesmo e me deixo ficar por momentos apenas nesse espaço, nesse limbo, nesse suave sentir de seda e com sede de um beijo... é esse beijo que acontece a seguir... é esse toque que me faz emergir de mim para imergir-me em ti... apenas um leve sabor a pétala duma qualquer flor... apenas um leve sabor e tudo o que nos rodeia a seguir é tão-somente o amor..."

segunda-feira, 15 de junho de 2015

PRISIONEIROS

“…há homens que vivem para amar… e então, amam tudo e todos… despertam o amor em muitos seres mas nunca irão conseguir amar uma só pessoa… esse homem tem em si o desejo de viver num pleno estado de graça que o “Amar” lhe proporciona… esse homem que tanto ama, que tanto vive para amar… é um ser solitário… porque sofre… porque sempre insatisfeito… porque no meio de tanto e tanto amar ele não consegue “sossegar” num único amor… passa a vida a lutar pelo amor, passa a vida na constante procura do amor… percorre todos os caminhos e nunca encontra o seu “graal”… vive num eterno desejo de paz, de descanso do guerreiro… mas jamais o encontrará… é um ser insatisfeito, porque o Amor que espalha á sua volta é um círculo que o aprisiona e ele torna-se prisioneiro dessa procura…”

domingo, 14 de junho de 2015

SINÓNIMO

... és sinónimo de paz, na palavra que me dás... és sinónimo de beleza nesse olhar profundo sem mácula de tristeza... és sinónimo de alegria no toque suave que em mim um teu sorriso cria... és sinónimo de paixão quando disfruto o bater mais forte do meu coração... és sinónimo de harmonia quando me beijas enlaçados em sintonia... és sinónimo de luz quando no escuro da noite teu amor me seduz... és sinónimo de serenidade quando no abraço matamos a saudade... és sinónimo de ternura quando na partida o teu olhar em meus olhos perdura... és sinónimo de puro amor quando nos afagamos com a alma e os corpos sem pudor... és saudável loucura quando sinto a nossa mútua procura e nos afogamos no delirar de um sentir que tudo é tão simples quando sabemos porque é que nos estamos a amar... és tudo o que um simples mortal busca na imortalidade que a qualquer um ofusca no silêncio do grito que amaina a febre do ruído que quebra tudo mesmo que fosse granito... és tudo o que o amor busca no olhar, no toque, no beijo que de momento em momento se reduz ao desejo, trazendo como prenda, tecido em flocos de doce renda, o caminho percorrido como sempre desejado, obtido e que a luz em nossos corações se acenda para num florir matinal ou num anoitecer normal, o doce sabor nos acorde ou nos adormeça em profunda certeza que o dia seguinte mais não será do que um novo fruir do amor que nos envolve e a cada momento nos devolve na mais plena pureza do aceno tão natural como há pouco sobre nós desceu... porque se te sinto minha, sei que me sentes teu...”