“… tivesse
eu as capacidades de um deus, mesmo dos da antiguidade, de um Zeus,
de um Júpiter ou mesmo de um Marte ou até mesmo, porque não, duma
Diana… tivesse eu os poderes de tudo demonstrar sem ter de provar,
ou seja, bastar ser e não ter de provar que sou o que sou ou quem
sou… tivesse eu toda essa força mágica e logo seria a mais pura
prova do que há muito persigo: seria o Amor transformado em entrega,
seria o Amor pleno, aquele que vive de si mesmo para se bastar e na
totalidade se entregar… o Amor que deixaria de o ser para passar ao
patamar superior do estatuto da fórmula única da vida plena que é
Amar… passamos tempos e tempos sem sabermos o que é isso do Amor
ou como é que se Ama e um dia, sem sabermos como, tudo surge ali, à
nossa frente, sereno, demonstrativo da nossa anterior ignorância e
dizendo-nos bem no nosso interior que o Amor está aqui dentro de
cada um de nós e, como tal, livre de ser entregue ao próximo… e é
nesse momento, quando o Amor sai de dentro de nós e o entregamos a
alguém que ele se transforma numa dádiva e assim, de uma forma tão
simples, passamos a Amar… esta entrega, esta forma de se estar na
vida, pressupõe a inexistência de condições incluindo o não
retorno, ou seja, amar mesmo que não nos amem… essa é a única
forma de provar a nós mesmos que estamos a Amar e não tão
pobremente apenas a gostar… é por isso que estou sempre a falar do
mesmo, a batalhar todo o tempo na tentativa de demonstrar, sem ter de
provar, que Amar é a minha forma de ser… tentar provar que se ama
é uma forma de se negar a si mesmo porque quem ama não precisa de
se afirmar: entrega-se, apenas… entrego-me a ti nas mais pequeninas
coisas, mesmo até nos elementos que não são visíveis mas que
existem, que estão lá, em ti, vindas de mim… entrego-me a ti sem
perder a minha identidade, sem deixar de ser eu mesmo mas o que sou o
transmito, o envio, o entrego em totalidade… entrego-me a ti em
serenidade, em luz, em paz, em harmonia, com força, com garra, com
espírito e alegria… entrego-me a ti num sorriso, num toque, numa
palavra, numa frase… entrego-me a ti num beijo, num corpo, numa
alma, com a totalidade do meu eu… entrego-me a ti tal como sou,
impuro talvez, mas com doçura, em humildade e sem qualquer altivez…
entrego-me a ti por amor…”
quinta-feira, 30 de abril de 2015
quarta-feira, 29 de abril de 2015
O MEU PRIMEIRO ESCRITO
“…desenhei
meu corpo nas águas profundas do rio que em mim corre e nele me
percorri em tons de azul, cor do céu que nunca morre… desenhei
minha alma nas ondas do poderoso mar que fora de mim se move e nele a
desenhei em tons de branco nobre, leves, mas sóbrios… desenhei meu
corpo na minha alma e a mistura se fundiu em tons vermelhos de sangue
puro… e minha alma, pária de si própria, desenhou no meu corpo a
felicidade de se saber comigo e não mais solitária… desenhei, por
fim, no mais profundo de mim, um campo de flores, pleno de todas as
cores, exalando todos os perfumes, completamente preenchidas com
todas as vossas dores…”
terça-feira, 28 de abril de 2015
SONHAR O DESEJO
“...
o sono tinha chegado sem eu dar por isso... tinha possuído o meu
corpo de uma forma velada, quase perfeita por tão doce e suave me
ter penetrado... e quando tal acontece apenas temos de nos abandonar
ao seu domínio, ao seu comando e, por vezes também, ao seu
desmando, às suas tropelias... gosto de ser possuído pelo sono
porque sei que durante o seu reinado quem vai ser o“rei”
vou ser eu porque ele não me impede de sonhar... e, durante o tempo
que ele me toma como seu, eu comando, sem possuir a batuta, a
orquesta das imagens que povoam a minha mente suavemente adormecida e
tranquila na procura... e é nesse momento que te vejo... que te
olho... que me permito ser o que não posso ser aquando acordado... e
é nesse momento que vejo o quão me atrais nesse olhar inquieto e
nessa boca entreaberta pedindo o que não se pede mas o que se dá
ou, no mínimo, se sugere... e deleito-me a olhar essa boca... esses
lábios tão perfeitamente desenhados que me lembram pétalas de uma
qualquer flor, porque doce, porque de sabor a mel... esse mel que
escorre e que eu sorvo com a língua que se atreve a neles pousar de
mansinho... e a doçura leva os meus sentidos ao êxtase e olho,
então, o teu corpo... está ali, presente, nada ausente, de alva
pele acetinada, pronto a ser meu numa posse impossível apenas porque
sonhada... mas eu não sei que estou a sonhar e vogo por ele com
prazer e lento voo onde me deixo pousar... sinto o doce calor de um
corpo morno e sinto os teus braços me abraçar... percorro todos os
recantos dos teus encantos, navego em todas as ondas desse corpo
sedento da procura, do encontro, do toque... aninho-me nele e a minha
boca procura, com doçura, a tua... e, de novo, num beijo suave mas
profundo eu atinjo o âmago, o cerne, do teu ser e sem saber mas tão
somente por um simples querer, eu te tenho por breves instantes, eu
te possuo por um momento, eu te tenho naquela fracção em que o
sonho comanda a vida e naquele sono perfeito eu sinto o meu coração
bater, mesmo ao de leve, no teu desejado peito... esse peito onde me
deito e me elevo com redobrado desejo, para de novo beijar essa boca
que se abriu, por instantes, ao doce embalar do sonho de alguém, que
mesmo a sonhar, vive o supremo desejo de amar...
“
segunda-feira, 27 de abril de 2015
PALAVRAS
“… quisera
escrever palavras que ainda não tivessem sido ditas ou escritas
porque ainda não inventadas e dedicar-tas só para ti… dizer-te
palavras diferentes de todas as que já foram ditas, escritas,
reditas e reescritas… poder sentir que aquelas palavras eram só
para ti e que mais ninguém as houvera lido ainda nem sequer sido
sonhadas porque não inventadas nem rotuladas com significados
óbvios… poder sentir que o destino delas era único e que mais
ninguém se pudesse apropriar delas porque seriam apenas tuas…
poder sentir que nada do que pudesse até então ter sido dito havia
sido repetido… seriam palavras para escrever um livro onde nele
descrevesse tudo o que estivesse na minha Alma e nunca houvera dela
saído para o exterior… seriam sim claro, palavras de amor… mas
essas existem em todo o lado, estão espalhadas pelo espaço de todos
os pontos cardeais, em todos os cantos, dirigidas em todos os
sentidos, conduzindo o Amor para a sua simplicidade ainda que
indolor… seriam sim claro, palavras de ternura, de carinho, de
afago, de candura, de puro desejo de as sorver num só trago e mais
não existissem excepto no teu coração pois para ele elas haviam
sido dirigidas… queria sim escrevê-las num só fôlego, num só
dizer, num só escrever, numa só direcção e saber que as havias
recebido, sentido e digerido dentro do teu ser… palavras escritas
para mais ninguém as ler… só tu as receberias e as sentirias
porque saberias que te pertenciam… queria, pois, inventar novas
palavras que exprimissem o que já sabes sem eu as escrever porque
tas digo ao ouvido, porque tas entrego no corpo, porque elas se
entranham em ti vindas de mim, num crescendo de Amor sem palavras
ditas ou escritas de cor, apenas sentidas pelo teu existir… dessa
forma, não necessito de as inventar porque elas já existem dentro
de ti quando as entendes no momento em que não as pronunciando, a ti
somente as entrego… fico assim sem necessidade de as escrever
porque elas mais não são do que o sentir em mim a força do amor
que vem de ti…”
domingo, 26 de abril de 2015
SONHO
“…Em
frente ao espelho da cómoda do teu quarto, sentada num banquinho
forrado a tecido de cortinado vermelho, penteavas os teus cabelos,
num ritual que funciona mesmo sem dares por isso… a escova passava
ora uma, ora duas vezes, de cima par a baixo e alisava os teus
cabelos sedosos, cor de mel e de marfim… brilhavam no espelho e te
revias momento a momento numa expectativa de mudança, o que não
acontecia pois não podias ficar mais bela do que aquilo que já
eras… a beleza em ti não residia nem morava … era!… A tua
camisa de noite, acetinada bege, de rendas sobre o peito alvo de
seios firmes e redondos, deixava transparecer a cor da tua pele suave
e doce ao olhar sem ser preciso tocar… a tua cama de lençóis de
prata, aguardava o teu corpo numa ânsia sensual de quem à noite,
só, te espera num desespero de intocabilidade… e tu, demoravas…
da cómoda tiraste um frasquinho de perfume e te ungiste com ele o
que provocou um agradável respirar a todos os móveis que te
rodeavam… e a tua cama, ansiava pela tua presença… e o teu corpo
demorava a conceder-lhe esse desejo… levantaste-te de frente do
espelho e te miraste novamente de corpo inteiro e gostaste da tua
imagem alva e bela naquele quarto iluminado pela tua presença…
olhaste de soslaio e sorriste… sentaste-te na beira da cama e esta
suspirou docemente perante a antevisão de que breve te possuiria…
Tiraste os teus pezinhos leves de dentro dos chinelos de cetim
vermelho, levantaste um pouco o lençol e te entregaste total e
lentamente ao prazer de estender do teu corpo e da entrega final ao
teu leito… a tua cama nem sequer se moveu… aquietou-se para não
te perturbar, para que não te arrependesses daquilo que acabaras de
fazer, com medo que te levantasses e ela te voltasse a perder… a
tua cama inspirou baixinho a fragrância do cheiro da tua pele e
deixou-se ficar aguardando o teu próximo movimento… deitada de
bruços te deixaste finalmente ficar e tua cabeça leve pousada de
mansinho na almofada, arfava lentamente o teu respirar de prazer por
mais uma noite de descanso e de sonhos… Teus olhos semicerrados
viram a lâmpada acesa e teu braço se estendeu ao interruptor da
mesinha de cabeceira para a desligares... os teus movimentos eram
propositadamente lentos para que o tempo demorasse ainda mais do que
aquele que já existia… e a tua cama sentia… na obscuridade do
teu quarto, teus olhos semicerrados olharam o tecto e se fixaram na
sua alva cor que permitia uma réstia de luz no meio da escuridão…
olhaste a janela e pelas frinchas da persiana, divisaste a luz
cinzenta duma lua crescente… avizinhava-se uma noite de lua cheia e
teu corpo descansou por um momento… a tua cama então suspirou e te
abraçou fortemente… em suas mãos te acabavas de entregar… e o
sono chegou…. adormeceste… não sei mais o que se passou… a
noite decorreu, teu corpo diversas vezes se moveu… a tua cama não
se movia, com receio de te acordar... abraçava-te sempre para não
te deixar fugir… sentia-te sua e possuía-te num sonho imenso de
impossibilidade, de impotência, de raiva, por não te conseguir ter
tendo-te ali… tua mente adormecida, movia-se e sabia-se que
sonhavas… a tua cama te tinha ali, indefesa, sozinha… sonhavas e
eu aqui, nada mais te pedia… nada mais desejava… queria apenas
ser o teu sonho…”
sábado, 25 de abril de 2015
ENSAIO SOBRE A LOUCURA (última carta)
“…já
é habitual acordar a meio da noite… é sempre naqueles intervalos
entre o efeito das drogas que me dão… aproveitei sempre esses
momentos para te escrever, meu amor… porém, estou convencida que
esta será a minha última carta e, sinceramente, não sei o que te
quero dizer… meu amado, meu bem, meu doce, meu tudo, meu ser, minha
alma, minha única razão de existir: não sei sequer se irás
ler estas minhas palavras… como é hábito e tu sabes, devem ser 4
da manhã… está na hora de mais uma dose e a enfermeira deve estar
a chegar… restam-me poucos minutos e estas serão as últimas que
vou poder te escrever… as outras cartas que te enviei, onde
recordava tudo o que de belo e bom tivemos durante os tempos em que
estivemos juntos, também não sei se foram parar às tuas doces
mãos, (tão doces de todas as carícias que me levaram ao êxtase e
ao delírio, tão suaves que eram, meu amor, tão doces que as sentia
em mim como se minhas fossem, como se me pertencessem desde sempre)…
não sei se te disseram como estou, não sei se sabes no que me
tornei… mas, há cerca de meia dúzia de dias (como se contam os
dias aqui?… não me perguntes porque não te sei responder…)
ouvi-os dizer que já não havia nada a fazer e que a única forma
era o isolamento total e final… vão, pois, privar-me da única
coisa que tinha vinda do exterior… a luz da lua nas noites frias
porque sem ti e da luz do sol gelado porque não a teu lado…
tiram-me também o bater das gotas da chuva que me faziam contar os
segundos em que olhava o tecto e recordava tudo o que fomos… vão,
portanto, enviar-me para longe de mim mesma, encharcar-me de drogas e
mais drogas para que eu não possa reagir e gritar como tenho gritado
estes últimos anos… gritado por ti, meu amor, gritado pela tua
ausência, pelo amor que tivemos, por tudo de bom que passámos, por
tudo o que está gravado na minha alma, na minha pele, no meu ser, na
minha totalidade… como dizer-lhes que não estou louca, como
dizer-lhes que o que sou é apenas o resultado do que fomos… como
dizer-lhes que nada tenho porque apenas e só tu me faltas e que nada
mais desejo que não seja o que um dia fomos… queria, antes de ir,
antes (eu sei) de morrer de falta de ti, olhar-te apenas mais uma
vez; fixar teus olhos e sorrir no teu sorriso… tocar teus lábios e
tornar-me num beijo… sentir tuas mãos nos meus seios e ser eu
mesma esse toque… sentir teu sexo me penetrar e ser eu mesma a
penetração… meu amor, apenas uma última vez e eu ficaria curada…
mas tenho consciência (sabes aquela consciência que nos resta no
intervalo curto entre as injecções) de que tal não vai acontecer e
sei que o meu túmulo estará naquelas 4 paredes sem grades porque
sem janelas; já tinha ouvido falar delas quando cá entrei… ouço
passos; deve ser a enfermeira do turno da noite… deve ser a próxima
toma de mais um calmante… o habitual, a norma, o gesto, o ritual, a
morte em ensaio… sei que já não vou ter mais tempo… o tempo
terminou… vou levar comigo todas as recordações que me restam
porque nada mais tenho nem nada mais quero: quero apenas que não me
tirem a recordação do som do teu riso, o sabor do teu toque, o
brilho do teu olhar… isso eles não me conseguem tirar… é isso o
que vou levar comigo… quando partir para sempre deste corpo físico
que já nada sente, irás dentro da minha alma e serei sempre feliz
para onde quer que eu vá, tu estarás lá… eu sei, meu amor, eu
sei… me despeço para todo o sempre… deixo-te a minha paz, a paz
que obtive na loucura do nosso amor, a paz que me toca ao de leve
enquanto sonho contigo… nada mais resta… perdoa-me por te ter
amado tanto… perdoa-me por não conseguir deixar de te amar…
perdoa-me por te levar comigo no meu coração… adeus, meu amor…”
a tua Maria
a tua Maria
sexta-feira, 24 de abril de 2015
ENSAIO SOBRE A LOUCURA (segunda carta)
“…continuo
a acordar todas as noites… não há forma de o evitar… a tua
ausência incendeia-me os sentidos… a tua falta provoca-me esta
ânsia de te sentir presente… sofro neste sofrimento sofrido de dor
e solidão… já não sei quem sou… também não interessa…
lembras-te da última carta que te escrevi… sim, daquela em que
acordei às 3 e 15 da manhã?… Essa…sim, quando senti a tua falta
e me acariciei como se fosses tu que o estivesses a fazer… oh meu
amor, como sinto a tua falta!… Não, não sei que horas são… até
o relógio me tiraram deste sepulcro… olho pelas frinchas da janela
e vejo luar… não sei a quantos estamos… mas isso tem
importância?… Que valor terá o dia em que me encontro se não te
encontro num só momento?… Desespero neste tormento de sentir a tua
falta e não te sentir a presença… Como poderia sentir se tudo o
que sinto é dor?… Todos os nossos momentos me passam pela memória
e esta lembrança chora, chora como se fosse ela a minha própria
alma e eu não existisse… Aqui onde estou não me lembro do que
sou, só me lembro de ti e de todos os momentos em que estive contigo
e contigo vivi… Sim, agora não vivo, apenas recordo… Dizem que
recordar é viver… oh meu amor como pode ser viver se cada vez que
me lembro, sinto que estou a morrer… as tuas mãos estão aqui no
meu peito apertando-me os seios como tu tanto gostavas de fazer… a
tua boca na minha boca e a humidade da tua língua na minha língua…
o doce beijo nos meus mamilos e como as tuas mãos me penetravam com
doçura e força ao mesmo tempo… oh meu bem, como te amo tanto…
como te quero tanto… oh meu bem que lágrimas tão amargas estas
que broto a todo o momento… olha, devem ser 4 da manhã… vem aí
a enfermeira com a injecção do costume… continuam a dizer que
esta minha loucura não tem cura… eu sei que não tem, como poderia
ter?… Como me posso curar da tua ausência?… Como posso viver
nesta minha morte?… Não sei meu amor, não sei… A enfermeira me
aconchegou os cobertores… sabes, está frio e sinto frio dentro de
mim… já não consigo falar… apenas olho no vazio… neste vazio
que me preenche… Mas não preciso de mais nada, basta-me a
lembrança dos momentos que vivemos… basta-me esta dor que vive
comigo… bastam-me estas lágrimas… o meu pão de cada dia… o
meu alimento neste vazio… sinto os olhos pesados… sei que vou
dormir mais um pouco mas estou feliz pois vou dormir contigo nos meus
braços, nestes braços que não te sentindo te lembram, te tocam, te
apertam contra mim… lembras-te de quando adormecíamos assim?…
Como era bom acordar a meio da noite com os braços dormentes e
sentir o calor do teu corpo abrasar este meu ser que de tanto te
querer te perdeu… oh meu amor, como te amo… como sinto a tua
ausência… vou dormir… até mais logo… lembra-te de mim como me
lembro de ti… um resto de noite feliz, meu amor…”
a tua Maria
a tua Maria
quinta-feira, 23 de abril de 2015
ENSAIO SOBRE A LOUCURA (primeira carta)
“…acordei
por volta das 3 e 15 da manhã… sim, era isso… olhei para o
relógio da mesinha de cabeceira e marcava 3 e 15… é um daqueles
relógios de ponteiros luminosos… olhei para o tecto sem saber
porque razão acordara, mas lembro-me que talvez tenha ouvido a porta
de um carro, lá fora, a bater ao fechar-se… olhei de seguida para
os buraquinhos das frinchas da persiana da janela e divisei a luz da
noite… a rua tem candeeiros e vê-se essa luz ainda que difusa…
Senti o corpo morno e passei a minha mão pelos meus seios
acariciando os bicos do peito… deixei a minha mão descer pela
barriga até sentir o meu sexo e desejei ter-te ali comigo… a minha
mão acariciou os pelos púbicos e lentamente introduzi um dedo na
minha vagina… deixei-me estar assim durante uns momentos e
lembrei-me de ti… lembrei-me de todos os momentos que te tive e que
a meu lado te senti… sabes, quando me abraçavas e me sentia
pequenina, dessa forma mágica que tinhas de me abraçar… quando me
beijavas e me sentia desfalecer ao sentir a humidade dos teus lábios…
sabes, não sabes?… sei que sim… lembras-te daquele dia em que
nos encontramos pela primeira vez?… o dia em que nos olhamos e os
nossos corações bateram?… aquele dia mágico que marcou o resto
dos outros nossos dias?… acordei sem saber por razão acordava mas
penso que a saudade marca o sonho e, se calhar, estaria a sonhar
contigo… lembras-te daquele dia em que estavas sentado no sofá da
nossa sala e me ajoelhei a teus pés?… lembras-te de termos feito
amor na mesa da cozinha?… lembras-te daquelas férias que tivemos
na montanha e lembras-te de certeza de termos feito amor deitados
naquele chão branco de neve… lembras-te de, no fim, teres lavado o
teu sexo com a fria neve que estava ao nosso lado?… lembras-te como
ele ficou pequenino por causa do frio?… lembras-te como nos rimos
às gargalhadas?… e daquele dia que fizemos amor no carro?… a
meio, deste um grito porque te aleijaste numa perna com o travão de
mão?… sim, porque não te haverias de lembrar, se eu me lembro tão
bem… e daquela outra vez na praia, escondidos numa duna, quando eu
fiquei cheia de areia… acordei às 3 e 15 e já são 3 e 40!… 25
minutos a pensar nisto… sinto-te em mim, meu amor e não estás
aqui presente… mas sinto-te… sei que sou eu que me acaricio mas é
como se fosses tu… sinto como se fossem as tuas mãos, o teu corpo
quente, o teu hálito a maçã que costumavas comer a toda a hora…
eras doido por maçãs… nunca soube porquê… nunca considerei
isso importante mas era importante para ti, não era?… os teus
beijos quentes e húmidos, num saltitar constante entre os meus
mamilos e a minha boca… como beijavas tão bem… mas sei que mesmo
que beijasses mal, para mim era sempre bom, doce, quente, por vezes
abrasador… como eu costumava dizer que acendias em mim o fogo da
lareira sempre acesa… eu sei que fui sempre “louca” por ti mas
tu sempre gostaste de mim assim… eu sei que sim… eu sentia que tu
gostavas de mim assim… tu também eras louco, sabias?… sim, a tua
loucura me incendiava e quando nos rebolávamos na cama parecia que
tudo se partia e a cama chiava… como nós nos riamos disso…
coisas giras e loucas, não eram?… meu bem, como me lembro de ti
assim?… porque acordei eu a pensar em ti?… porque é que ainda
penso em ti ou porque é que estou sempre a pensar em ti?… sabes
que não há um único momento da minha vida que não pense em ti?…
eu sei, eu sei que dizem que estou louca… mas eles não sabem que
já não estou louca, já estive, sim já estive louca por ti…
agora já não estou… estou feliz, triste mas feliz e tu sabes
porquê, não sabes?… sabes, eu sei que sabes… já são 4 da
manhã… acho que vou dormir um pouco… penso que vou sonhar
contigo e depois, depois voltar a acordar para pensar mais uma vez
nos nossos dias felizes, nos dias que passamos juntos, naqueles dias
em que a loucura era permitida e nada mais interessava… até ao dia
em que te foste… nunca soube porquê, porque me deixaste, porque
não me quiseste mais… porquê, meu amor?… o sono está a
regressar… sabes, deram-me mais uma injecção e vou ter de dormir,
sim?… vou dormir mais um pouco, meu amor… mais um pouco… mais
um pouco… como ainda te amo… sim, serei sempre a tua Maria, meu
amor… tua para sempre… para sempre…a tua Maria..."
quarta-feira, 22 de abril de 2015
TERMINARAM AS PALAVRAS
“...
terminaram as palavras... as letras deixaram de existir... as frases
já não podem ser formuladas e a comunicação escrita ou oral
findou... o Homem deixou de poder dizer um simples vocábulo e nem um
só ditongo se consegue escrever ou articular... mas a sua
necessidade de gritar leva-o a inventar novas formas de comunicar...
passa a usar o seu corpo para insinuar as sílabas e começar a
juntar os elementos que formam a ideia, a imagem ou apenas o
sentido... o seu corpo passa a ser a caneta ou a corda vocal... e as
mãos tocam ali, acolá ou aqui... movem-se no espaço e sentem que
do outro lado existem outras mãos que fazem o mesmo... e todos
começam a gesticular... e do gesto, passam ao encontro, ao toque
mútuo, ao abraço, ao enlace, à carícia, ao beijo, à ternura, a
todo o género de acto que defina um desejo de comunicar, de dizer:
estou aqui, estás aí, podemos falar?... então trocam-se os toques
e todos se movem no mesmo sentido... no Mundo existe o silêncio mas
passou a existir o abraço... algo que o Homem já havia esquecido há
muito... e apesar de o riso não ser articulado, existe o sorriso...
e apesar do grito se ter silenciado a lágrima pode escorrer pela
face e dessa forma se diz o que se passa, o que se sente, o que se
deseja, o que se vê e o que se quer que seja entendido... o Homem
calou a voz mas não consegue deixar de comunicar... e o seu corpo
passa a ser o elemento base dessa acção... e, dessa forma, mesmo
não podendo dizer que se ama, pode-se dizer o mesmo num sorriso, num
beijo, num toque, num abraço, num desejo... e o Amor, por mais que o
Homem possa perder as suas faculdades, jamais morrerá... e Amar,
continuará a ser o único caminho!...”
MEMÓRIAS
“…encosto
a cabeça no vidro semiaberto e fecho os olhos por segundos; pela
frincha sai o fumo do cigarro ao mesmo tempo que as gotas da chuva
varrida pelo vento tenta entrar com força. Não há lágrimas que se
comparem às que batem no tejadilho do carro; o vento sopra forte de
sul e as ondas alterosas mostram-me um mar agitado porque de si
próprio aquelas lágrimas haviam saído uns dias antes. Percorro a
visão até ao horizonte cinzento-escuro e vejo um relâmpago descer
sobre as águas. Imagem bela e soberba. O céu zangado como me
ensinaram em criança. O interessante era terem mais medo do trovão
do que do relâmpago. Havia uma cantilena que rezavam fechadas no
quarto; algo que no meio das palavras comidas pela reza eu percebia
algo como santa bárbara; mais tarde vim a saber que Santa Bárbara
tem a ver com as trovoadas, dizem. Imagens da infância que recordo
com saudade. Um corpo deitado no chão da sala, uma chupeta e um
açucareiro ao lado; e lá ia eu molhando a chupeta no açúcar e
chupando; ainda hoje gosto de comer açúcar. Um corpo escondido no
meio do centeio que não se dobrava pelo vento; um corte num pé
provocado por um vidro escondido. Umas mãos pequenas pegando nas
pombas que existiam no pombal do pai. Uma gaveta com postais antigos
do Brasil que meu avô trouxera. Um retrato enorme dele e de minha
avó no dia em que casaram, pintado a carvão. Era imponente. Um
fogão de lenha crepitando. A chuva que entrava pelo vidro começou a
molhar-me a face e a cabeça e o cigarro já me estava a saber mal.
Liguei o motor, fiz marcha-atrás e arranquei dali para fora. Para lá
do mar ficava o sonho, o sonho que sempre tive de o enfrentar, o
sonho que sempre tive de me meter dentro dele e o amansar. Nunca
conseguido. Os faróis foram ligados porque a penumbra já era
demasiadamente escura para ser dia. A noite que se aproximava iria
brindar-me com mais recordações; é isso que faço para adormecer
todas as noites; relembro imagens distantes e tento reconstruir a
vida que já não existirá nunca mais. Puzzles de imagens, de sons e
de choros e de risos, de quedas, de corridas, de corpos cheios de
calor abraçando-nos. Porque me faz tanta falta esse abraço de
outrora? A estrada à minha frente ainda era longa e a noite me
esperava…”
terça-feira, 21 de abril de 2015
DESENHO
“…gosto
de desenhar no meu corpo a pura entrega de quem ama… gosto de
desenhar na minha alma a luz dessa verdade… escrever com os meus
olhos a leitura da saudade… garatujar nos sons as palavras
sussurradas… saborear na boca, nos lábios a doçura do mel do teu
beijo desenhado desejo de quem procura o abraço esperado… gosto de
desenhar nos teus ouvidos as letras que formam os sentidos…
desenhar, por fim, já por sobre o esboço da obra final de quem
no auge do encontro sente-se sonho sabendo ser real… pairar na tela
do teu corpo e desenhar as cores do amor que num todo se move
completo no ser que temos por modelo… e sendo-o, tê-lo, possuí-lo
e transformar a obra num plano final que dá ao desenho o toque
especial como que uma assinatura sobre a obra acabada… depois,
ficar a mirar tudo o que havia sido feito para ter ali, na minha
frente, a concretização do sonho e saber que todas as palavras
ditas ou as desenhadas ou as escritas houveram sido assimiladas,
saboreadas e entendidas como brotadas de dentro do meu ser… gosto
de desenhar sim, no teu corpo, o meu eu e no fim ao olhar a tela
preenchida em ti soubesse ali ter tudo o que havias querido da
presença do meu amor…”
segunda-feira, 20 de abril de 2015
POETAS
“…quis
ser um poeta que tivesse asas… e poesia em cada voo… quis ser um
poeta cujas palavras vos enchesse a casa… e que vos reencontrasse
em cada dor… quis ser um poeta que fosse fogo e água e sol e
terra… e que com todos esses elementos criasse um novo ser… mas
há poetas que são simplesmente poetas… há poetas que ainda nem
sabem que o são… há poetas… imensos… tentei um dia ser um
desses poetas… e sei
hoje que um poeta nunca morre… faz-se em vida mesmo na morte,
soltam as asas e levam-vos o vento… protegem-vos e fazem-se ao
caminho convosco… peregrinam em vós… que com ele caminhais…
bebeis o sorriso dos poetas… vedes pelos seus olhos, e por detrás
desses olhos, uma alma que brilha e ilumina cada recanto escuro da
vossa própria alma… e é em dias de negro e frio que mais
precisais dos poetas… porque eles são fonte, força e semente…
um poeta nunca mente… ele, o poeta, é a vossa armadura, a vossa
madrugada e o fim de tarde… a vossa lua nova ou lua cheia… são
perenes todos os poetas… nascem e renascem… mesmo sem nunca
morrerem… nada destrói um poeta, nem a voz nem o sentir… quis
ser um desses poetas que tivesse asas e poesia em cada voo… podemos
ser usados, abusados, até como lixo abandonados, enegrecidos e
deturpados… simplesmente somos quem somos … podemos ser
retalhados, citados e aviltados… podemos ser usados como arma de
arremesso… podemos ser teorizados e complicados… podemos ser
mistificados e cristalizados… podemos até servir de pasto em
chamas inquisitoriais… não somos orações, nem homilias nem
credos… e não nos deixamos cair… não somos ameaça do fim do
mundo… não somos propriedade de ninguém… não somos espada nem
guilhotina… não cabemos na pena nem no ódio de quem de nós se
apropria… somos apenas poetas… somos simplesmente imensos… não
cabemos em nenhuma semana nem em qualquer dia… somos de todos os
tempos… não nos deixamos aprisionar por nenhuma alma negra…
somos apenas asas… não somos anjos… somos apenas amor e amamos…
e se agora sei, como tão bem sei, que as palavras vos podem fazem
voar, que às vezes vos levam para lá do mar, em asas de vento, de
dor e de amor… sei também, como sabem todos, que não há palavras
nem versos, nem poesias que cheguem para transformar um poeta num
anjo…”
domingo, 19 de abril de 2015
DELÍRIO
“…os
meus olhos pousam em ti e todos os meus sentidos te olham num delirar
mútuo de atenção… vejo o teu corpo e deleito-me na tua alvura…
cheiro o teu cheiro e aspiro a tranquilidade da tua paz…. ouço o
teu respirar lento, como um lamento que não lamento… as minhas
mãos tocam os teus cabelos e envolvem-se neles… acerco-me de ti e
te toco… te sinto global e ali inteira frente a mim… beijo a tua
boca e tudo se torna como num festim de doces carícias e sabor a
sal… estou inteiro no teu corpo inteiro e me sinto nele como sinto
o teu corpo em mim… é apenas um abraço, um enlace de braços que
apertam sem apertar, sentindo apenas o teu respirar… minhas mãos
percorrem a tua pele acetinada linda… fecho os olhos procurando
apenas sentir… e sinto o desejo crescer em mim e o teu arfar sobe
de tom… como é bom… a minha boca se cola na tua boca e a minha
língua se funde dentro dela como se da tua se tratasse… é apenas
mais um enlace… sinto o teu peito quente junto ao meu e beijo teus
mamilos num acto de procura da loucura… loucura que me invade
lentamente, premente ali presente ou então como se tudo mais
estivesse ausente… meus braços te envolvem e se descobrem momento
a momento como se fosse a primeira vez que no teu corpo se movem…
sinto o cálido odor do teu corpo quente de amor, oferecendo-se como
numa espécie de orgia sem pudor… minhas mãos tacteiam centímetro
a centímetro toda a tua pele, todos os recantos de teus encantos e
se encontram, de repente, sobre o teu ventre quente, dolente… afago
tuas coxas e as tuas ancas e as aperto contra mim… procuro o teu
sexo e o acaricio… beijo-te completamente num único beijo e me
torno desejo do teu próprio desejo…te envolvo num abraço mais e
te penetro… és tu que me possuis… não te tenho, és tu que me
tens… movimentos doces se entrelaçam como se não fossemos dois
mas um só… os nossos corpos se fundem num arfar profundo de prazer
e loucura… já não sei o que sou, apenas em ti estou… eu sou tu
e tu és eu numa fusão de ser e estar… na verdade és tu que me
possuis pois eu não te tenho, és tu que me tens pois em ti eu me
dou… e em ti eu me eternizo…”
sábado, 18 de abril de 2015
VIRTUALIDADE
"...Em
cada relação que começa, a vida e o amor renascem. A paixão
coloca cada pessoa num ponto alto e excepcional, inevitável e
imperdível. Gostosamente. Mas as pessoas no seu melhor vêm depois,
às vezes muito depois, quando se chora e luta, quando se aceita e se
resiste, quando se constrói e quando se acredita. As verdadeiras
relações, os grandes amores são sempre virtuais. Não por serem
irreais, antes por serem imateriais, apesar de nos darem a ilusão de
um corpo, de um suporte material que tocamos e possuímos, que
acreditamos nosso, real, físico, material. Sentimos amor, quase
conseguimos tocar, agarrar essa sensação. Dizemos convictos que é
real. Olhamos o outro nos olhos e parece real, parece que o outro ali
está e nos ama mais que nós... Mas ver, sentir, tocar, são formas
de aceder ao amor, ascensores, facilitadores. Difícil mesmo é
planar. As relações são feitas de ar, planar. É no vento que se
ama. Talvez ser o próprio vento, e não a folha. Vê-se melhor o que
é amar quando é difícil amar, aceitar que é sempre mais do que
improvavelmente, um esforço, um desejo, um empenho pessoal em algo
que materialmente não existe, não é palpável nem mesmo se sente.
Nunca se ama realmente, a realidade do amor é nunca ser real.
Virtual. No dia a dia, corpo a corpo, sonha-se o amor, sonha-se um
amor virtual, que se não for virtual não é amor. Virtual porque
não depende da presença do outro, da aparência do outro, do
comportamento do outro. Um amar que perdura e se sustenta (Vento)
mesmo quando não vemos o outro. Amar é memória, antecipação e
crença profunda em memórias que hão-de vir. Virar a cara a quem
nos vira a cara, sabemos todos que é real, bem concrecto, mas não é
amar. Ama-se mesmo quem não nos ama e nos quer deixar. É na
paciência, na persistência que se mede o amor. Amar é escolher
amar. Depende de quem ama e não de quem é amado. Depende do esforço
e disponibilidade de quem ama. Ninguém merece ser amado, porque
ninguém pode deixar de merecer ser amado. Não depende do mérito,
não depende do comportamento, não se vê nem se comprova. Posso ter
que silenciar, posso ter de partir... vai comigo o amor..."
sexta-feira, 17 de abril de 2015
CERTEZA
"...tivesse
eu a certeza de tudo e não estaria aqui... tivesse eu essa certeza
que a incerteza não nos permite possuir e eu não estaria aqui...
possuiria o dom da sabedoria do quando, do como, do onde e também do
porquê e ainda do para quê... tivesse eu essa certeza que a
incerteza não nos permite obter e eu estaria em ti e não em mim...
possuiria o dom do ser e do estar onde me fosse dado querer e
estaria no teu olhar... perder-me-ia no teu corpo e deixaria de me
querer voltar a encontrar... labirinto fosses e eu palmilharia a
eternidade sem me preocupar com a saída... fosse eu apenas uma
centelha da tua respiração e tudo no mundo caberia na minha mão...
fosse eu apenas o pulsar do teu pensamento e voltaria a ser apenas o
vento... o vento sem lamento, o vento que me traria o sabor do aroma
do teu corpo a ondular em mim, mesmo que fosse como um tormento, um
doce tormento... tivesse eu a certeza de tudo e não estaria aqui...
seria como a luz que como a uma borboleta tanto seduz... seria o tudo
e o nada na totalidade absoluta do ser, seria isso tudo mesmo que não
te pudesse ter..."
quinta-feira, 16 de abril de 2015
CORPO
“… o
teu corpo perfeito, deitado no leito, de pura seda acetinada feito,
exalava o perfume perfeito… deixava antever, sem te tocar nem
sentir, o esbelto prazer de olhar para ele e bastar sorrir… mais
não seria necessário se a força do desejo se quedasse por ali…
mas a languidez da libido perfurava todo o sentido em te possuir…
aproximei-me de ti sem te olhar e sem que me visses… era apenas um
desejo que bastava que sorrisses para que eu parasse e não
prosseguisse… mas os teus lábios carnudos abriram-se em pétalas
desnudas e me sorriram num convite perfeito… o ardor estava ali, a
teus pés e meu corpo teceu o desejado amor de tudo o que depois
aconteceu… revolvemos a alma, os sentidos, a voz rouca, o arfar da
pele, o toque no teu mar e o saboroso doce a mel… perfurei tuas
entranhas em doces movimentos com forças tamanhas que te fizeram
sugar teus próprios gemidos… a doçura perdura dentro de nós e
antevê-se nos nossos olhos o desejo de, novamente, a sós, voltarmos
a ser um só corpo e um só desejo num derradeiro lampejo de profunda
paz… o deleite do amor que ele nos traz…”
COLO
“… deixa
enroscar-me nos teus braços… coloca tua mão na minha cabeça e
enrola os teus dedos nos meus raros cabelos… baixa um pouco a tua
fronte e beija a minha boca… deixa enroscar-me no teu colo…
sentir a tua maciez e ver de baixo para cima o teu sorriso… ver-te
junto a mim e saber-te ali comigo… de tal forma que quando olhas eu
sou o teu olhar… de tal forma que quando sorris eu sou os teus
lábios… de tal forma que quando me afagas eu sou a tua mão… de
tal forma que quando me tocas eu sou o teu corpo… de tal forma que
quando me olhas eu sou o teu olhar… deixa pousar o meu cansaço na
tua serenidade e sentir a tua paz na minha guerra… baixar as armas
e sentir a trégua na tenda que se ergue no deserto da batalha…
humedecer as mãos na brisa da água que corre no ribeiro que nos
circunda… lavar a cara na frescura do vento que nos embala…
sentir que nem tudo é real mas que o sonho nos preenche… sentir
que, por vezes, só o desejo chega, só o querer basta, só o pensar
nos satisfaz… deixa-me ser não só a realidade mas também o que
não somos… deixa-me olhar para dentro de ti e ver-me inteiro…
deixa-me tocar-te com o sonho e saber-me parte dele como sei que ele
é uma parte do meu eu verdadeiro…”
quarta-feira, 15 de abril de 2015
A CAIXINHA DE MARFIM
“…eram
extremamente apelativos… estavam ali à minha disposição… em
cima da mesinha de cabeceira… era uma caixinha escura que ela usava
para ter à mão os comprimidos que a faziam dormir… nunca liguei
qualquer importância ao valor daquela caixinha e, no entanto, ela
continha o passaporte para uma viagem, uma sem retorno… nunca
houvera pensado nisso, excepto naquela noite… uma noite em que ela
não estava ali deitada comigo (nunca mais estaria)… uma noite em
que acabara de chegar de mais um bar e depois de ter ingerido um bom
pedaço de álcool para me aquecer a alma tão fria e tão dormente
que já nem a sentia… também, para que queria eu uma alma?… que
é que ela me dá ou me faz?… a caixinha preta continuava ali…
quantos comprimidos teria ela deixado desde a última vez que a
encheu depois de os tirar da embalagem de marca do medicamento?… a
minha mão direita estendeu-se para aquela caixinha preta tão
apelativa como tão consoladora pelo imaginário que já me estava a
provocar… não custaria nada e dormiria para sempre… tão bom…
era disso que eu estava a precisar ou seria de mais um pouco de gin?…
mas para tomar os comprimidos eu precisava de beber alguma coisa e
essa coisa estava também ali à mão… debaixo da cama, talvez
também deitada no chão por cima do tapete… teria ainda algum
líquido?… o suficiente para engolir os comprimidos?… já não
tinha forças para me levantar e ir buscar outra garrafa… a
caixinha preta continuava ali e a minha mão já estava em cima dela…
senti aquela textura (penso que era marfim) sob os meus trémulos
dedos mas senti-a fria e um arrepio percorreu-me a coluna… ou teria
sido outro tipo de arrepio?… não sei quanto tempo estive com
aquela caixinha na mão… não sei quanto tempo demorei a tomar uma
decisão… não sei quanto tempo a olhei com um turvo olhar… não
sei porque razão não a segurei… dei por mim a olhar para ela sem
saber para que é que ela servia e naquele momento apenas me apeteceu
dormir… tão perto do derradeiro sono… tão desejado… ali tão
à mão… reparei então que estava deitado sobre o lugar dela com o
braço direito estendido para a mesinha de cabeceira segurando a
caixinha preta que continha o passaporte para a derradeira viagem…
tantas vezes assim estivemos… tantas vezes senti o seu calor, o seu
respirar, o seu arfar… tantas vezes assim ficamos depois de
fazermos amor… e, neste estúpido momento, repetia aquela posição
estendendo a minha mão para uma viagem… não consegui conter o
choro… não consegui aguentar as lágrimas… não consegui segurar
a caixinha preta… não consegui partir… restou-me a certeza que
no dia seguinte teria mais uma noite de frio…”
terça-feira, 14 de abril de 2015
DIFICULDADE
“… Existe
uma enorme dificuldade em se pronunciar a palavra “Amo-te”… na
verdade, a qualquer um de nós, dizer à pessoa de quem gostamos que
a amamos é um verdadeiro desafio… e, muitas vezes, engole-se em
seco e não conseguimos dizer e ficamos com uma vontade enorme de
bater em nós mesmos por não sermos capazes de fazer uma coisa tão
simples como dizer uma palavra tão serena… no entanto, é o nosso
subconsciente que tem “medo” de a pronunciar porque ela encerra
uma enorme carga de
sentimentos e de responsabilidade… há, no entanto, quem a use de
tal forma simples que a torna tão usual e normal pela leviandade com
que a pronuncia… quando se diz a alguém: “Amo-te”, não
estamos a dizer: “Gosto de ti”… existe uma enorme diferença,
eu diria mesmo um abismo entre as duas formas… gostar é demasiado
fácil e muito egoísta, porque quem gosta de algo é porque esse
algo a satisfaz… amar não é tirar satisfação do outro, amar é
entrega, é dádiva, é querer que o outro tire de nós… quando
souberes que és capaz de dar a vida por alguém, por exemplo, podes
dizer com propriedade que amas esse alguém por quem estás disposto
a dar a vida se preciso for… quando estiveres convicto que amar é
dares-te e não obteres, então podes dizer ao outro: “Amo-te”…
não pronuncies nunca a palavra que te compromete, que te “obriga”
a um compromisso para com o outro, mesmo que seja por pouco tempo…
amar é tão-somente e apenas uma entrega absoluta e total de alguém
a outro alguém… se não estiveres certo de que estás pronto para
essa entrega então mais vale não dizeres que amas porque, na
verdade, não amas, apenas gostas… é, portanto, preferível abafar
a palavra do que a dizer levianamente… daí que, ouvir alguém
dizer-nos: “Amo-te” é ficar com a certeza de que somos “donos”
de quem o afirma… é ficar com a certeza de que, na verdade,
podemos “tirar” tudo dessa pessoa porque ficamos a saber que ela
se nos dá inteira, de corpo, alma e coração… mais vale não
dizer que amas alguém se para ti essa forma de amar não for
sinónimo de dádiva… e não tenhas vergonha de não seres capaz de
amar porque amar é um estado de alma e não um estado físico…
para amares, precisas de te amar a ti primeiro… quando conseguires
amar-te a ti mesmo, então saberás que estás apto a amar o outro…”
AMAR É
"...
amar é uma dádiva e não um receber o que quer que seja, dando-nos
para além de nós próprios mesmo que isso signifique perder alguma
coisa… amar pode ser a perda de nós mesmos em prol de alguém que
precise mais de mim do que eu próprio preciso e pode significar,
portanto, dor, lágrima, choro, tristeza, amargura, infelicidade,
desespero, quiçá até mesmo desamor… amar não é sorrir e dizer:
Que bom, amo!… amar é dizer eu estou aí em ti e não em mim…
amar é olhar para mim e sentir que só faço falta a ti e que me
sobro a mim próprio… amar é tão simplesmente isso: querer estar
naquele que precisa de mim mesmo que isso queira dizer que me perca,
que deixo de ser o que sou ou o que gostaria de ser, mesmo que
signifique a dor e a perda que tanto abomino e não desejo…"
segunda-feira, 13 de abril de 2015
MILAGRE
"...quantas
e quantas vezes, ou talvez não, pedimos um milagre... algo que nos
mude a vida para melhor, algo que nos faça deixar de sofrer, algo
que nos tire a lágrima que teima em correr, algo que nos permita
sorrir para sempre e não mais ser dor... quantas e quantas vezes, ou
talvez não, pedimos um milagre... algo que nos modifique a forma de
ser, de podermos ser melhores ou até mesmo de podermos ajudar os
outros... algo que tire o sofrimento no mundo, algo que permita a paz
entre as pessoas... quantas e quantas vezes, ou talvez não, pedimos
um milagre... um milagre para nós!... Estamos sempre a pedir um
milagre na nossa vida; estamos sempre a pedir um milagre que nos tire
a dúvida, a dor, a fome, o desânimo, a doença e tantas outras
coisas que nos atormentam... tantas e tantas vezes e o milagre não
vem e amaldiçoamos a prece por ela não ser ouvida... talvez fosse
melhor não pedir um milagre... talvez fosse melhor sermos nós
próprios o próprio milagre: mudarmos a nossa maneira de sentir o
que somos e passar a sentirmos o que queremos ser; talvez nos baste
sentir o que queremos e alegrar-mo-nos com o que temos, com o que nos
é dado usufruir... talvez nos baste sentir o que queremos ser e
sermos o próprio milagre... quantas e quantas vezes, ou talvez não,
pedimos um milagre e esquece-mo-nos de o "fazer", de o
"elaborar", de o "conquistar"... de sermos nós a
agir..."
CORRENTES
"…
a vida tem correntes que nos prendem e não nos deixam vaguear… são
as correntes de ferro forjadas nas condições dos agravos que ela, a
vida, nos abala… a vida tem correntes que nos levam em várias
direcções como as vagas de um mar encapelado ou de um rio em
tormenta… são as correntes invisiveis que nos empurram para a
frente… a vida tem correntes sem correntes que nos fazem estagnar…
são como os lagos mansos em que nem uma folha se move e assim,
presa, depressa esmorece e morre… a vida tem tudo o que podemos
desejar e tudo o que não queremos e temos de aceitar… a vida é
bela e doutras vezes, do outro lado dela, a vida é como o fel em que
o sabor doce do mel não existe e não se deixa provar por sedentas
línguas de tanta e tanta gente neste longo mar a esbracejar…
porém, a vida é uma realidade que nos faz aqui estar… ela nos
empurra, ela nos prende, ela nos sujeita às mais diversas e
caprichosas vontades de um poder mais forte que a nossa própria
força… a chamada Lei da Atracção faz com que se consiga moldar a
vida à nossa maneira, só que essa mesma Lei funciona para todos e
se eu atraio para aqui haverá o meu oposto que atrairá para ali…
vencerá algum ou perderemos os dois?… só a vida o saberá quando
dermos pelo lado em que nos encontrarmos em determinado momento…
porém, nada nos impede de continuar a perseguir sempre o mesmo
caminho e, como tenho dito sempre e por, talvez, demasiadas vezes,
vezes a mais, amar é o caminho e não interessa qual o caminho,
interessa isso sim, caminhar… mesmo que as correntes nos prendam ou
nos empurrem, forcemos os elementos que nos cercam e caminhemos em
frente com a firme certeza que o amor está lá, lá bem ao fundo, em
algum lugar à nossa espera… não desesperemos… avancemos com
redobrada força… tenhamos confiança… acreditemos que amamos,
que somos fiéis e que somos verdadeiros, no mínimo com nós mesmos…
viva-se o momento, momento a momento apenas com um único intento:
chegar lá, chegar aos braços do ser que amamos, do ser que
desejamos alcançar, manter ao nosso lado, abraçar, beijar, sentir,
viver, enfim, numa palavra, amar…”
sábado, 11 de abril de 2015
LÁGRIMA
“…ele
olhou-a nos olhos e viu uma tristeza profunda na alma ou lá onde é
que a tristeza ou a alegria se instalam às vezes em nós… ele
olhou-a nos olhos e viu o que ainda não tinha visto: a mágoa de não
ser o que queria ser, a dor de não poder, o sofrimento do desejo
insatisfeito ou ainda do satisfeito não desejado… olhou-a bem nos
olhos e viu-a chorar por dentro sem que uma lágrima bailasse nas
pálpebras tão serenamente abertas… olhou-a uma vez mais, sem
pressas (ou altivez como quem percebe o que está a fazer, ou a
sentir ou ainda a ver), com vagar, com doçura, com precisão…
sentiu-lhe a pulsação acelerada quando lhe pegou na mão… tinha-a
fria, quase gelada e aquele olhar tão triste ainda mais fria tornava
aquela mão… pegou nela e levou-a até ao seu peito… espalmou-a
bem de encontro à sua pele em peito nu e com a outra mão cobriu as
costas dela forçando-a a ficar ali para que o calor a invadisse…
não, nada lhe disse… ficou assim, olhando bem fundo dentro dela…
aproximou a sua boca da boca dela, muito lentamente, e muito ao de
leve pousou lá um beijo… nesse momento, sentiu nos seus lábios o
sabor salgado de uma lágrima… saboreou o gosto e pousou-lhe a
cabeça pendida no ombro… apertou-a contra ele e deixou-se ficar
assim, juntos… um momento eterno para lembrar se tivesse sido
filmado naquele momento… seria uma pose a lembrar para o resto da
eternidade… sentiu a mão dela a aquecer e a sua face enrubescer
num lento esgar de um sorriso… viu então o seu olhar, até ali
perdido, encontrar-se em algum lugar… talvez dentro de si mesma,
talvez dentro dele, talvez na fusão dos dois, não interessava, mas
ele, o sorriso, ali se encontrava, um sorriso que brotava do calor
dos corpos ou do bater de dois corações que se amam e tudo
entendem… ele sorriu também, os corpos se moveram e se
convulsionaram num espasmo de espanto e de sabor a tudo e a tanto…
o doce sabor do perdão… o doce sabor da gratidão… o doce
paladar do encontro, do confronto, do calor do ombro deixado de ser
almofada para se tornar parte do abraço… e o riso se instalou num
suave embalar dos dois ao mesmo tempo que aquela lágrima ficara lá,
em lugar distante, perdida, a secar…”
ESPELHO
“…torno-me
espelho de mim mesmo e a luz que em mim me toca, se reflecte no
exterior do meu ser… espalho o que sou no espaço em meu redor…
vejo-me diverso e dividido em milhares de partículas de luz, facto
que tanto me seduz… porém, receio quebrar-me em mil pedaços e
perder a magia destes meus ténues passos pelo mundo da fantasia…
elejo-me mentor de mim mesmo e, sereno, torno-me pleno daquilo que
sou: uma partícula apenas no meio do nada que me rodeia… mas a
minha imagem, por todos os lados dividida, semeia no espaço em que
me insiro tudo o que tenho por pouco que seja e eu sinto que a
verdade deste louco imaginar, mais não é do que o desejo de o ser,
de em mil imagens me tornar e… me dar…”
sexta-feira, 10 de abril de 2015
ANATOMIA DO BEIJO
“…coloco
um beijo na palma da minha mão e olho-o para o estudar, para o
entender, para saber algo mais sobre ele… a sensação é apenas de
toque suave dos meus lábios na palma da minha mão… nada mais
retenho que o saber que senti a minha pele tocada pela minha própria
boca… preciso saber mais sobre o beijo… examinar minuciosamente
de forma a sentir o beijo como algo físico, palpável, real…
então, aproximo-me de ti e olho-te nos olhos, nesses olhos que
brilham dentro de mim como se tu não estivesses ali mas aqui, como
se tu fosses parte do meu ser… toco-te com as minhas mãos nos teus
ombros e dou um passo em direcção a ti… tua face serena, abre-se
num sorriso… levo a minha mão aos teus cabelos e acaricio-os
deslizando na seda dos mesmos… os nossos corpos encostam-se ao de
leve num toque global presente sem ausência de sentidos, bem pelo
contrário, com os sentidos todos em alerta… olho a tua boca
entreaberta nesse sorriso que me encanta e seduz… és luz… és
sol… és brilho em meu redor… humedeço meus lábios e
aproximo-me lentamente da tua face… toco com eles ao de leve na
pele que reluz perante o meu olhar… sinto o sal… uabor leve a
mar… os meus lábios tocam as tuas pálpebras fechadas para receber
o meu beijo… sinto um suave sentir, um sorrir no olhar como se de
outra boca se tratasse… retiro a minha boca e olho-te de novo…
preciso saber o porquê do beijo saber a tudo o que tu és, numa
dimensão de ser paz, doçura, mel e mar… vejo-te humedeceres os
teus lábios e muito suavemente toco-os com os meus… mantenho a
minha boca ao de leve no teu lábio superior e de seguida saboreio o
teu lábio inferior… e sinto amor…sinto que preciso de sentir
mais, de saber mais e melhor o porquê da paixão… é nesse momento
que toco em completo a tua boca e saboreio o mel que tal sensação
me transmite… as línguas tocam-se ao de leve para em seguida se
fundirem num só beijo, num só toque… já não são duas bocas que
se beijam pois é apenas o beijo em si mesmo que ali se encontra, se
forma, se transmuta, se torna ávido e sereno ao mesmo tempo…
mantemos o sentir tais sentidos, leves, lábios mordidos, línguas
entrelaçadas e o sabor doce penetrar em permuta o âmago daquela
sensual luta de pele com pele, de alma com alma, de corpo com corpo…
e a paixão nasce daí e cresce em mim como em ti… saboreamos o
momento… entramos em transe e deixamos de ser quem somos… e o
beijo perdura num planar de doçura… e o beijo se torna dono de nós
num galopar de sensações plenas, profundas mas de tal forma suaves
e serenas que o beijo deixa de ser beijo para passar a ser desejo..."
ETERNA PROCURA
“...
avanço na direcção certa ainda que não saiba o caminho, mas
avanço... não me deixo ficar a olhar para a vereda que já
percorri... avanço em frente, passo a passo, com cuidado mas com
força e determinação... não são os meus pés que caminham mas a
minha alma, o meu sabor de caminhar e o meu saber de que o estou a
fazer... avanço porque quero... porque espero... porque sei que vou
encontrar... o que quer que seja ou qualquer que seja o meu destino,
a minha meta, a minha linha de chegada (a linha de partida já se
esvaiu da minha memória), eu sei que a recompensa está lá... seja
ela minúscula ou enorme... mas não é o seu tamanho que me move...
mas sim o ter de ser... o querer, o amor, o desejo de amar... o
caminho mais nobre, mais salutar do ser humano: amar!... vou sem
olhar para trás... afasto os escombros dos prédios destruídos da
guerra que se travou dentro e fora de mim ao longo dos anos e que
foram ficando ali à minha frente porque nada pode ficar para trás...
não devemos olhar para trás, não, mas tudo o que passou vai
connosco na nossa caminhada... é preciso, pois, afastar o entulho, o
pó, as pedras aguçadas que nos cortam o ser e continuar a correr...
a percorrer... a olhar em frente, erectos, de cabeça erguida, de
olhar brilhante e não turvado por uma ou outra lágrima que teime em
cair... apenas tenho de ir... e vou... avanço sem medos, sem receio
do que vou encontrar... o que lá estiver será o que calhar, o que
tiver de ser... o que lá estiver, no final da caminhada será apenas
o meu tudo ou o meu nada... mas o que quer que seja, seja tudo ou
seja o nada, o que quer que seja, será meu... meu para abraçar,
para abarcar, para enlaçar, para gritar ao mundo que por mais
desconhecido que seja o fim do caminho, devemos avançar, com
ternura, com amor, com garra, com dor se preciso for, com todo o
afinco, com todas as nossas forças na procura do nosso “graal”,
na busca do sentido da nossa vida, para que no acto final, qualquer
que ele seja, eu saiba que fiz tudo o que me foi possível para saber
que valeu a pena, que nada perdi, que fui quem fui, que sou quem sou,
que serei quem tiver de ser, no aceitar único de que o percurso
certo e correcto é apenas saber e querer amar...”
quinta-feira, 9 de abril de 2015
MEL
“...
e o mel escorreu pela sua boa entreaberta
e nos lábios sedentos de beijos
o mel se aquietou
permitiu uma fuga para o seu queixo
e, de novo, para mim olhou
sorriu apenas com o olhar
semicerrando as pálpebras
bebeu-me a alma
e me iluminou o coração
permitiu-se tocar a minha face ao de leve
como terno e suave floco de neve
no momento em que a sua língua
rosada e húmida
provava o doce mel nos lábios
sedentos de beijos
senti sua boca roçar a minha boca
e a doçura do mel
adocicar o meu ser
era linda de se olhar
era bela de se ver
era pétala
era perfume
era grito
mas sem queixume
era loucura apenas
num abraço bendito...”
e nos lábios sedentos de beijos
o mel se aquietou
permitiu uma fuga para o seu queixo
e, de novo, para mim olhou
sorriu apenas com o olhar
semicerrando as pálpebras
bebeu-me a alma
e me iluminou o coração
permitiu-se tocar a minha face ao de leve
como terno e suave floco de neve
no momento em que a sua língua
rosada e húmida
provava o doce mel nos lábios
sedentos de beijos
senti sua boca roçar a minha boca
e a doçura do mel
adocicar o meu ser
era linda de se olhar
era bela de se ver
era pétala
era perfume
era grito
mas sem queixume
era loucura apenas
num abraço bendito...”
quarta-feira, 8 de abril de 2015
RAZÃO
“…amo-te
porque te amo… porque me sinto bem quanto te olho… quanto te
toco… quando te beijo… quando sinto a tua pele perfumada junto da
minha… quando te vejo sorrir para mim… quando ouço a tua voz…
quando te ris… quando me tocas, me acaricias e me fazes sentir
homem… amo-te quando me dizes que também me amas, quando me dizes
gostar de mim, quando me olhas e vejo no teu olhar a tua alma e o
reflexo da
minha… quando sabemos que nada mais no mundo nos importa… quando
sentimos que tudo o que gira à nossa volta está parado e somos o
centro de tudo… amo-te quando te digo que te amo, quando te
sussurro palavras ternas, quando ouço as que me dizes… amo-te
quando me dás um mimo, um sabor, o roçar ao de leve ou mesmo forte…
amo-te porque te amo… porque te sinto bem quando me olhas… quando
me tocas… quando me beijas… quando sinto que sentes a minha pele…
quando te sorrio… quando ouves a minha voz… quando me rio…
quando te toco, quando te acaricio e te faço sentir voar… amo-te
quando estou aqui ou aí… amo-te mesmo quando não estamos ou não
somos… amo-te porque sei que te amo, porque sinto que te amo,
porque vivo esse amor duma forma terna, doce, suave e pura mesmo
quando os corpos se entrelaçam e vibram em loucura… amo-te assim,
tão simples…tão tudo em ti e em mim…”
CERTEZA
“...
pedi para ver o invisível e deram-me a cegueira... pedi para ouvir o
inaudível e obtive o silêncio... pedi para tactear o nada e
consegui o caos do tudo... pedi sempre o que quer que fosse que me
viesse à ideia e o retorno era sempre o oposto... a conclusão óbvia
era não pedir ou então pedir apenas o real, o vivo, o palpável, o
som, a luz, a beleza... nunca tive a certeza se terá sido a melhor
opção... mas a verdade é que a partir do momento em que pedi
apenas o viável, as coisas se tornavam passíveis de obtenção...
pedi amor e tive-te... pedi um beijo e saboreei-te os lábios... pedi
um abraço e amornei meu corpo na tua sedosa pele... pedi um toque e
tive-te completa... pedi um olhar e consegui a imagem real... pedi um
som e ouvi tua voz num doce dizer que me amas... pedi-te presente e
tenho-te em mim por completo... pedi uma ternura e senti amor... pedi
apenas o que podia obter e nada me foi por ti negado... senti-me
preenchido pelas mais pequeninas coisas que de tão pequeninas se
tornam no todo tão desejado... pedi para te amar e senti-me amado...
que mais te posso eu pedir que já não me tenhas dado?...”
PAR
“…Não
há perto nem longe, nem local nem ausência, nem lágrima nem
sorriso, nem fuga nem prisão… Para amar basta querer ser e estar…
numa entrega total… Não ser apenas um corpo com outro corpo mas
ser muito mais do que isso: ser o par!… Ser o desejo de ser… ser
o desejo de estar ali em corpo e alma numa fusão única, num momento
só…”
ESCOLHA
...a
carta que escrevo aqui e agora é o que "eu" sinto e penso
da vida e não "serve" para todos... não há respostas
definitivas e únicas para todos nós... vivemos num mundo de
desafectos em vez de vivermos num de afectos... vivemos num mundo
onde o sentirmo-nos bem com a nossa própria identidade é já tão
dificil que usamos estas identidades "falsas" para podermos
falar e ouvir... já nos falta a "coragem" de enfrentarmos
os outros, de olharmos os olhos uns dos outros e dizermos a quem
estiver na nossa frente o que sentimos, o que pensamos, o que
queremos, o que temos, o que podemos ser e, principalmente, o que
podemos dar... a vida já vai longa para mim e já vivi muito e quase
tudo o que um homem pode viver... passei de tudo um pouco e os anos
foram-me tornando "duro" e um pouco "sóbrio"
perante as bebedeiras da vida... a vida não é fácil e tudo o que a
vida nos dá é pouco porque queremos sempre mais e melhor...
passamos a vida a lutar por um lugar ao sol e esquecemos o quanto bom
é refrescar-mo-nos numa sombra... passamos o tempo a "querer",
passamos o tempo a "desejar", passamos o tempo a "ter",
a "possuir", a "querer ter ainda mais"...
esquece-mo-nos de dar!... e, um dia, ficamos de mãos vazias e
ficamos sem nada e lamentamos termos ficado sem tudo o que havíamos
tido... que desgraça enorme... perdi tudo, inclusive o amor!... tudo
o que tínhamos se foi... e passamos a ser uns eternos infelizes!...
errado!... nunca tivemos nada!... porque não somos donos de nada!...
nada temos!... nada possuímos!... nada é nosso!... só dando é
possível ser feliz!... desejar tudo de bom para o outro!...
dar-mo-nos aos outros de todas as formas, de todas as maneiras... não
pretender sermos amados... amar somente... a felicidade está em
amar, tão somente em amar e sentir que amar é estar feliz consigo
mesmo... amar sem posse nem destino... amar incondicionalmente... não
chorar sobretudo porque é preferível sorrir e mesmo que por dentro
a alma se parta aos bocadinhos que nos reste um sorriso nos lábios
para dar aos outros... foi isso que aprendi ao fim de muitos anos...
não fui, não sou nem quero ser dono do que quer que seja... quero
olhar e desejar que todos estejam melhor do que eu... escolho o
melhor para o meu semelhante... ao fazer isto faço-o com alegria,
com gosto e sou feliz!... é esta a resposta: não há caminhos para
a felicidade... esta, a felicidade em si mesma, é o verdadeiro
caminho... não interessa que estradas havemos de percorrer, o que
interessa é caminhar com a certeza de que "escolher" o
melhor para o outro é a base do meu bem estar... sentir que com essa
"escolha" eu estou a caminhar e não à procura do
caminho... estas palavras não "servem" para todos, eu
sei... mas não sei outras... tudo o que possais ler nos meus
escritos é uma mistura de credulidade e de incredulidade... é uma
mistura de fé e de raiva... é uma mistura de sim e de não... pela
simples razão que precisamos dessa "balança" para o nosso
equilíbrio... mas, o cerne da questão está lá, nas entrelinhas e
estas são as que acabo de escrever... não sei se era "isto"
que querias ouvir, se era esta a "mão" que
precisavas...acredita que é a única que tenho e dei-te o que tinha:
tempo, palavras e um desejo firme de felicidade para ti, meu
irmão!...
terça-feira, 7 de abril de 2015
AGIR
“…há
sempre algo que nos impede de fazer o que achamos que não devemos
fazer… como que, dentro de nós, houvesse uma espécie de censura
que velasse pelas nossas acções… o que podemos e o que não
podemos fazer é algo que, primeiro, vai à loja da censura e só
depois segue para fabrico… a forma final do produto é que poderá
ser diversa daquela que foi projectada… onde nos leva tal atitude?…
que castração nos provoca semelhante sujeição?… porque não
fazemos apenas o que nos apetece fazer?… o que é isso de
consciência?… é uma espécie de balança com uma série de pratos
onde são pesados todos os prós e os contras daquela acção
planeada… porém, porque razão agimos de imediato, sem pensar, em
momentos de crise duma forma a que chamamos de instinto?… ou será
que mesmo antes de agir instintivamente, a loja da censura funciona
mesmo sem darmos por isso?… será que há, na mesma, um pesar na
balança?… saltamos de imediato para o lado para evitarmos ser
atropelados por um carro mesmo sem vermos que podemos cair na valeta
cheia de água suja da sarjeta… fugimos rápidos, em caso de
incêndio por exemplo, da varanda para a rua sem olharmos à altura
que nos separa dela e sem pensarmos que podemos partir uma perna…
porém, no dia a dia das nossas acções habituais de vida em que o
instinto não é preciso, as nossas atitudes são “pesadas” antes
de as tomarmos, como se de uma poção mágica se tratasse e fosse
preciso tomar a medida exacta… então, hesitamos antes de agir e
somente depois actuamos… as nossas escolhas devidamente pensadas
tanto podem dar para o certo como para o torto… não há maneira de
sabermos se aquela decisão, ainda que devidamente gerida e
equacionada, vai resultar em pleno… mais tarde é que saberemos o
resultado… na verdade e a experiência mostra-nos isso, quando
usamos o instinto, verificamos o resultado da acção então
utilizada, de imediato, quer seja bom ou mau… também, de imediato,
ficamos felizes ou infelizes com a opção tomada… já quando
apenas a tomamos depois de devidamente ponderada a questão, somente
muito depois veremos o resultado… e até podemos viver angustiados
aguardando o desfecho… será que fiz bem, será que fiz mal?… e
agora?… bem, só tenho que aguardar e esta espera, esta expectativa
provoca angústia, provoca danos, provoca dor… que faço?…
escrevo um texto sobre que tema?… bem, vamos lá ver… penso,
repenso e nunca mais me surge a inspiração para desenhar algumas
letras sobre um tema que nunca mais se faz luz em mim… então, de
imediato, começo a teclar instintivamente… saiu o que acabaram de
ler… ao mesmo tempo que escrevia ia vendo o resultado de imediato
daquilo que surgia no monitor… não houve angústia… não houve
dor… utilizem o instinto o mais que puderem… vão ver que,
geralmente, dá certo… também o pior que poderá acontecer é
terem de perder tempo a ponderar a questão… mas será que ponderar
é assim tão mau?… não sei, a decisão é sempre individual…
façam o que vos aprouver… façam o que vos der na real gana…
sejam felizes nem que para isso seja preciso chorar um pouco… às
vezes é o medo de chorar que nos impede de avançar… porém, quase
sempre vale a pena… é que umas quantas lágrimas ajudam a
clarificar a situação e o panorama, após o choro, é quase sempre
um pouco mais claro!…”
ENTREGA
“…
tivesse
eu as capacidades de um deus, mesmo dos da antiguidade, de um Zeus,
de um Júpiter ou mesmo de um Marte ou até mesmo, porque não, duma
Diana… tivesse eu os poderes de tudo demonstrar sem ter de provar,
ou seja, bastar ser e não ter de provar que sou o que sou ou quem
sou… tivesse eu toda essa força mágica e logo seria a mais pura
prova do que há muito persigo: seria o Amor transformado em entrega,
seria o Amor pleno, aquele que vive de si mesmo para se bastar e na
totalidade se entregar… o Amor que deixaria de o ser para passar ao
patamar superior do estatuto da fórmula única da vida plena que é
Amar… passamos tempos e tempos sem sabermos o que é isso do Amor
ou como é que se Ama e um dia, sem sabermos como, tudo surge ali, à
nossa frente, sereno, demonstrativo da nossa anterior ignorância e
dizendo-nos bem no nosso interior que o Amor está aqui dentro de
cada um de nós e, como tal, livre de ser entregue ao próximo… e é
nesse momento, quando o Amor sai de dentro de nós e o entregamos a
alguém que ele se transforma numa dádiva e assim, de uma forma tão
simples, passamos a Amar… esta entrega, esta forma de se estar na
vida, pressupõe a inexistência de condições incluindo o não
retorno, ou seja, amar mesmo que não nos amem… essa é a única
forma de provar a nós mesmos que estamos a Amar e não tão
pobremente apenas a gostar… é por isso que estou sempre a falar do
mesmo, a batalhar todo o tempo na tentativa de demonstrar, sem ter de
provar, que Amar é a minha forma de ser… tentar provar que se ama
é uma forma de se negar a si mesmo porque quem ama não precisa de
se afirmar: entrega-se, apenas… entrego-me a ti nas mais pequeninas
coisas, mesmo até nos elementos que não são visíveis mas que
existem, que estão lá, em ti, vindas de mim… entrego-me a ti sem
perder a minha identidade, sem deixar de ser eu mesmo mas o que sou o
transmito, o envio, o entrego em totalidade… entrego-me a ti em
serenidade, em luz, em paz, em harmonia, com força, com garra, com
espírito e alegria… entrego-me a ti num sorriso, num toque, numa
palavra, numa frase… entrego-me a ti num beijo, num corpo, numa
alma, com a totalidade do meu eu… entrego-me a ti tal como sou,
impuro talvez, mas com doçura, em humildade e sem qualquer altivez…
entrego-me a ti por amor…”
SONHO
“…
deito
a cabeça no teu regaço… olho-te a face serena… e teus lábios
sorriem… tuas mãos se envolvem nos meus cabelos e a massagem
leva-me ao sonho… fecho os olhos e deixo-me vogar no teu corpo…
dentro de ti… à tua volta… mesmo sem te tocar te sinto… tuas
mãos tocam o meu ser como se nos meus lábios estivesse todo eu,
como se a minha boca fosse todo o meu corpo… teus dedos leves e
suaves me transportam, nesse toque, para lá de mim mesmo e me deixo
ficar por momentos apenas nesse espaço, nesse limbo, nesse suave
sentir de seda e com sede de um beijo… é esse beijo que acontece a
seguir… é esse toque que me faz emergir de mim para imergir-me em
ti… apenas um leve sabor a pétala duma qualquer flor… apenas um
leve sabor e tudo o que nos rodeia a seguir é tão somente o amor…”
PRESENÇAS
“...
as presenças são o tudo que se deseja viver... entregamo-nos ao
olhar, ao toque, ao sabor, à doce noção de que estamos exactamente
onde e como o havíamos desejado... as presenças são o terminar da
ânsia e o início da suave cedência à ternura e ao começo da tão
almejada aventura... as presenças são o tudo por que lutámos na
véspera e na antevéspera e nos dias que as antecederam... não
sabemos, à vezes, quantas vésperas esperamos até ao dia chegar...
umas vezes, o tempo passa mais depressa, outras vezes, ainda que
demore o mesmo, tendem a passar mais depressa porque a ânsia o
empurra e o dia de amanhã torna-se o hoje futuro do dia de ontem que
se houvera esperado... mas, passe o tempo que passar, as presenças
que se tornam presença, esquecem a ausência e se transforma na
entrega que se aguardou... e a presença vive das presenças que as
ausências não deixam viver... e a entrega flui e o mel barra o pão
doce do corpo que o forma ora em suaves sabores, ora em orgias de
paladares que se confundem por tão diversos e contínuos em que se
tornam... e as presenças amornam então em carícias que só mesmo
as presenças permitem... mas o tempo voa e desaparece porque
enquanto presentes não damos por ele passar... e, de repente, sem
darmos por isso, a ausência se torna de novo presente na presença
das presenças e deixa que estas esvaziem os corações numa dor
surda e desmedida porque sabedores da partida... e as partidas
aparecem de repente e as mãos tentam segurar o tempo que resta mas a
força da partida depressa faz deslizar os dedos pelos dedos até
ficarem no toque das pontas uns dos outros... fica também o beijo
doce da despedida e o doce olhar, ainda que triste, da partida... mas
breve, o sorriso de novo surgirá porque rápido uma nova presença
virá e o ciclo se fecha num círculo de desejo até que uma nova
presença se transforme ela só no mais terno e sedento beijo..."
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