“…ele
olhou-a nos olhos e viu uma tristeza profunda na alma ou lá onde é
que a tristeza ou a alegria se instalam às vezes em nós… ele
olhou-a nos olhos e viu o que ainda não tinha visto: a mágoa de não
ser o que queria ser, a dor de não poder, o sofrimento do desejo
insatisfeito ou ainda do satisfeito não desejado… olhou-a bem nos
olhos e viu-a chorar por dentro sem que uma lágrima bailasse nas
pálpebras tão serenamente abertas… olhou-a uma vez mais, sem
pressas (ou altivez como quem percebe o que está a fazer, ou a
sentir ou ainda a ver), com vagar, com doçura, com precisão…
sentiu-lhe a pulsação acelerada quando lhe pegou na mão… tinha-a
fria, quase gelada e aquele olhar tão triste ainda mais fria tornava
aquela mão… pegou nela e levou-a até ao seu peito… espalmou-a
bem de encontro à sua pele em peito nu e com a outra mão cobriu as
costas dela forçando-a a ficar ali para que o calor a invadisse…
não, nada lhe disse… ficou assim, olhando bem fundo dentro dela…
aproximou a sua boca da boca dela, muito lentamente, e muito ao de
leve pousou lá um beijo… nesse momento, sentiu nos seus lábios o
sabor salgado de uma lágrima… saboreou o gosto e pousou-lhe a
cabeça pendida no ombro… apertou-a contra ele e deixou-se ficar
assim, juntos… um momento eterno para lembrar se tivesse sido
filmado naquele momento… seria uma pose a lembrar para o resto da
eternidade… sentiu a mão dela a aquecer e a sua face enrubescer
num lento esgar de um sorriso… viu então o seu olhar, até ali
perdido, encontrar-se em algum lugar… talvez dentro de si mesma,
talvez dentro dele, talvez na fusão dos dois, não interessava, mas
ele, o sorriso, ali se encontrava, um sorriso que brotava do calor
dos corpos ou do bater de dois corações que se amam e tudo
entendem… ele sorriu também, os corpos se moveram e se
convulsionaram num espasmo de espanto e de sabor a tudo e a tanto…
o doce sabor do perdão… o doce sabor da gratidão… o doce
paladar do encontro, do confronto, do calor do ombro deixado de ser
almofada para se tornar parte do abraço… e o riso se instalou num
suave embalar dos dois ao mesmo tempo que aquela lágrima ficara lá,
em lugar distante, perdida, a secar…”
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